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quinta-feira, 16 de abril de 2009

PENSANDO À BOLINA, 15

Pedro Sinde

«Deseja tudo o que tens e terás tudo o que desejas»

Um dos padres do deserto – seria?, não recordo – terá dito isto. Esta frase é uma chave para que possamos medir o lugar em que nos encontramos, quer dizer, a distância a que nos encontramos de ser homens mesmo, de reencontrar uma condição que foi a nossa e que temos a obrigação de procurar reencontrar. A evolução é ao contrário: homens que fomos, para animais caminhamos. Estamos demasiado habituados (o hábito que desfaz o monge – o ser unificado, que é o que significa monge) a ver-nos assim uns aos outros e disseram-nos que somos humanos. É verdade, mas apenas em potência; temos condições para nos tornarmos humanos, porque o homem é um ser intermediário entre o divino e o cósmico: alguém entre nós pode reivindicar esta condição real?
Como só desejamos o que não temos, não podemos ser o que desejamos. Felizmente! É que nós não sabemos o que desejar ser…
A filosofia portuguesa dá-nos chaves várias para caminharmos do vale à montanha. Uma dessas chaves é dada por Álvaro Ribeiro, mestre de filosofia, de meditação, de contemplação e de oração (este último aspecto será abordado detalhadamente em livro, se Deus quiser).
É nesse livro luminoso e, por isso mesmo, iluminante, que é A Razão Animada, que se pode aprender, por meditação gradual, a separar a essência da substância, o que somos do que temos. Em gradual destilação de alquimia da alma, separando no misto que somos o superior do inferior, em linguagem hermética que Álvaro Ribeiro traduz em linguagem aristotélica para lhe dar forma filosófica: a essência e a substância.
São estas as misteriosas palavras de Álvaro Ribeiro:
Ao dizer-se eu, ao distinguir a sua personalidade da sua propriedade, cada homem reconhece que no desprendimento se dá um desenvolvimento, e que esse desenvolvimento equivale a uma evolução. Alcançaria a nudez essencial ou essente para que tende o movimento evolutivo, se existente não fosse a mediação do meu.
Estas palavras devem ser lidas em toda a sua realidade vivencial e não apenas como uma abstracção; mais, devem ser meditadas palavra a palavra, porque ali me parecem esconder-se chaves para a nossa salvação. Não, não creio exagerar. Temos, é claro, de ter presente que Álvaro Ribeiro não é o “racionalista” que pintam quantos o querem denegrir, ainda que o elogiando muitas vezes. O papel da razão não pode ser subestimado no seu pensamento, mas também não pode ser sobrestimado. A razão é um meio ortopédico, de rectificação do nosso pensamento e que tem sobretudo a tarefa de proteger o fluir mental dos automatismos mecânicos. O esforço da razão liga-se com a perenidade da consciência. A razão não dá a verdade, mas ajuda-nos a caminhar até ela, como um barco para atravessar o rio – chegados à outra margem, deixamos o barco na margem. Nisto, como em tantos outros aspectos, Álvaro é brunino (lembrar as verdades acima da razão, deste último). Para lá da razão está o intelecto angélico, diz-nos Álvaro Ribeiro, e aquele factor divinizante que é a imaginação. Se é divinizante, isto é, se nos aproxima de Deus, é porque é criadora, poiética, é porque é uma expressão do Criador, é porque é no homem um dos aspectos da imagem e semelhança, à luz da qual o homem foi criado. Estes aspectos afastar-nos-iam das reflexões convencionais sobre a filosofia portuguesa, porque a filosofia de Álvaro Ribeiro, ele o diz, não coincide com a filosofia portuguesa. A filosofia portuguesa pode-se tornar, se não for vivida, se não for vivenciada operativamente, apenas numa coisa que se tem e não em algo que se é. É que nós somos ainda razões animadas ou com alma e não já espíritos angélicos. Mas que, nesta separação entre o que é essencial e substancial, que é condição do caminho para a divinização, que não se arrisque o homem a separar aquilo que Deus uniu, nem a unir o que Deus separou.

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