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quarta-feira, 13 de maio de 2009

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 8

António Carlos Carvalho

Anda por aí uma onda mista de espanto e pânico, causada por uma tal «lei dos poços». Publicada em Maio de 2009, estaria agora a chegar ao fim o prazo legal para o registo de poços, furos, noras, charcas, etc. Quem não tiver feito esse registo fica sujeito a coimas totalmente disparatadas (mínimo de 25 mil euros). Acontece que muito poucos agricultores souberam disso, muito poucos sabem sequer ler e escrever e, portanto, tudo isto tem o ar de mais uma caça à multa. Mas até pode ser que não seja bem assim, que isto se deva à aplicação de mais uma das chamadas directivas europeias, neste caso referida à preocupação com a cartografia da água e da sua utilização. Já se percebeu que a água é um bem natural cada vez mais escasso e cada vez mais caro para muitos de nós.

Provavelmente, dado o estado de alma em que nos encontramos, e pelo caminho que as relações humanas estão a tomar, pode bem acontecer que um dia destes venham por aí umas «guerras da água» -- doce, tornada amarga.
Quanto a mim, em vez de leis e de coimas, preferia que se promovesse uma reflexão geral sobre a água e o seu significado profundo para nós, homens, e para animais e vegetais.
E até podíamos começar por meditar sobre a questão dos poços.

Na imagem: Rebeca e Eliezer junto ao poço, de Carlo Maratti (1625-1713)
Habituados, como estamos, a que a água saia «naturalmente» das torneiras das nossas casas, já nos esquecemos da importância que os poços tinham nos tempos antigos, como lugares de acesso ao líquido mais precioso (e também mais simbólico) e, igualmente, como pontos de encontro, de contacto e de troca (comunicação) entre os membros da mesma comunidade ou dos que partilhavam o mesmo território.
Aí se aprendia a partilhar o bem comum, o dom da natureza (dom de Deus), vital para cada um dos seres vivos. Aí se aprendia a esperar, pacientemente, pela sua vez de ter acesso a algo que não pertence a ninguém em particular porque foi dado a todos.
Tudo isso era ainda mais importante para os povos nómadas e no espaço do deserto. Para esses pastores, o poço ficou ligado a um simbolismo da água, por sua vez ligado à vida na sua essência, mas também a factores económicos, políticos, sociais e e culturais.
Por essas razões encontramos uma relevância tão grande dada aos poços nas narrativas de episódios bíblicos – onde a palavra «poço» aparece mais de 50 vezes. Podemos mesmo referir sete poços como lugares de outros tantos episódios fundamentais: os dois poços de Hagar, onde recebe as visitas de anjos; o poço do Juramento, onde Abraham e Abimelekh concluem uma aliança; o poço de Isaac; o poço de Rebeca; o poço de Jacob; o poço de Moisés.
Estes episódios em volta da figura e do símbolo do poço e da água deviam-nos fazer pensar. Como também nos devia fazer reflectir o facto da seca ser uma consequência directa da secura do coração dos Homens.
Era por esta via, a da memória e da reflexão meditativa, que devíamos ir – e não por caminhos ínvios e ímpios de leis e respectivas coimas.

1 comentário:

  1. Assunto candente. O governo dá computadores às crianças, obriga-nos a consultar a internete, e depois pede poupança nos consumos. Vai-se ao shopping e vem um papel a aconselhar poupança de energia e estamos num templo de feeria eléctrica, luzes por todo o lado, shoppings maiores da Península e da Europa... Só a gente é que tem de desligar o stand by da tv ao deitar... Já estou a ver a forte repressão nos limites de gastos de água, e nas grandes moradias particulares a lavagem, a rega à descrição, os campos de golfe a inaugurar por esse país fora. Para quem tem dinheiro não há limites nem avisos de contenção. Ou poupamos nós para eles gastarem. Isto não tem nexo. Principalmente num país abençoado em fontes de águas naturais, e muitas delas curativas.

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