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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O CAMINHO DO CAMINHO, 18














Leituras…
Cynthia Guimarães Taveira

Em conversa com o Pedro Martins relativamente ao novo livro dele, “O Segredo de Grão Vasco”, dizia-lhe que tinha gostado muito do livro. Independentemente das teses que nele eram defendidas, aquilo que havia de melhor nessa obra eram as pistas, os indícios que ele havia deixado no rasto da sua análise. Pistas, indícios de quê?

Para dar a resposta a esta pergunta teremos que começar por analisar alguma da literatura que por aí se vai fazendo e falo apenas no caso português.

Não sem entusiasmo há quem se lance na aventura simbólica. Sim, é um momento importante aquele em que se descobre que os edifícios de pedra antigos estavam pejados de símbolos, alguns mesmo de mensagens elaboradas, que alguma pintura também, que certos textos eram afinal cifras, que as religiões têm muitos deuses e são muito antigas. É o chamado momento do mergulho no dicionário dos símbolos no qual se navega pescando alegremente sem se perceber que se está a apanhar apenas um único peixe que contém apenas uma parte de um problema suficientemente grande para uma vida só não o conseguir resolver.

Aparecem textos estranhos, com associações ainda mais estranhas, e perdoem-me falar num nome, mas para que haja a noção da loucura a que se chega será mesmo necessário citar um excerto apanhado na Internet, transcrito entusiasticamente por Vitor Manuel Adrião que
diz, a dada passagem (para a qual é necessária toda a paciência que puderem arranjar):

“Sobre o assunto, respigo umas quantas linhas a um texto teúrgico reservado:

«Foi durante a transição da 3.ª para a 4.ª Sub-Raça que veio firmar-se decisivamente em Bhumi (a Terra) a estrutura da GRANDE FRATERNIDADE BRANCA com SANAT KUMARA à testa, faz cerca de 18 milhões e meio de anos, por altura da Grande Iniciação Colectiva do Género Humano conferida pelos SENHORES DE VÉNUS, os PITRIS KUMARAS FLAMEJANTES provenientes de Vénus (ou Shukra), alter-ego da Terra e uma Cadeia adiante desta.

Isso correspondeu à acção empreendida por ARABEL (o 5.º Luzeiro) e sua Corte de MAKARAS e ASSURAS de coadjuvarem A Evolução Humana, pelos motivos kármicos suscitados por LUZBEL (o 3.º Luzeiro) na anterior Cadeia Lunar.

A formação de uma Grande Loja de Deuses humanizados na Terra, os quais vieram a iniciar os humanos mais adiantados da Raça Lemuriana e que adentraram a Raça seguinte, a Atlante, já como Adeptos Perfeitos, viria muito mais tarde, durante a 5.ª Raça Mãe Ariana, essa formação ou estruturação a ser designada pelos Adeptos e Iniciados da Soberana ORDEM DE MARIZ de PRAMANTHA ou CRUZEIRO MÁGICO A LUZIR.

Diz a Tradição das Idades que 888 deuses humanizados advieram sobre a Terra acompanhando o divino SANAT KUMARA, tendo sido então que Ele se entroncou decisivamente aos destinos deste 4.º Globo tornando-se o 4.º REI DO MUNDO, MELKITSEDEK, ROTAN, CHAKRAVARTI ou PLANETÁRIO DA RONDA. Coadjuvaram-no na manifestação avatárica sobre a Terra, ocupando o Animal Esfingético que AKBEL lhe cedeu, os seus 3 Irmãos Kumaras das 3 Rondas anteriores de Bhumi. Sanat Kumara, por seu turno, era na época um Avatara de ARABEL – LUZEIRO DE VÉNUS.

Foi Ele quem deu início à Grande Loja Branca dos Mestres Justos e Perfeitos, essa que na Índia é chamada de SUDHA-DHARMA-MANDALAM, “Excelsa Fraternidade Branca”, no Tibete de Confraria dos BHANTE-JAULS, “Irmãos de Pureza”, distinguidos pelas suas roupagens e faixas amarelas-azuis, e que a Igreja Cristã cognomina poeticamente de COMUNHÃO DOS SANTO e
SÁBIOS.”»
A pergunta que faço é: Mas o que é isto? Que confusão é esta? Esta gente julga que não é humana? Não vão ao supermercado dia sim, dia não? Não têm frio no Inverno? Não fazem uma simples digestão, quer em termos literais quer em termos simbólicos? O que pensarão os seus animais de estimação desta verborreia? Parece que o caminho da poesia é muito mais seguro.

Isto mostra como o mundo do simbólico pode ser um caldeirão para o qual se atiram símbolos de qualquer maneira, procurando apenas uma compensação em forma de grandeza para a pequenez que efectivamente somos.

Mas há outro modo de encarar a questão e passa por um dia lançarmos, do alto de uma ponte, o dicionário de Símbolos ao rio, e vê-lo cair devagar, e vê-lo mergulhar, quase em câmara lenta, nas águas que passam. Nesse momento, o nosso olhar está efectivamente nas águas que passam. E essas águas que passam são, de facto, o verdadeiro símbolo.

É frequente ouvir que teremos que distinguir o “fantástico” da “imaginação”, esta última como produto do mundo imaginal, no entanto, no campo da literatura e das artes, o fantástico, como construção fantasiosa obedecendo a um discurso vindo directamente de um quase-inconsciente (digo-o desta forma porque me parece mais correcta a definição de René Guénon quando afirma não existir inconsciente, mas sim, vários níveis de consciência), toca, por vezes, esse mundo imaginal uma vez que este é um mundo arquetipal. Dou o exemplo de “O Senhor dos Anéis”, na ficção cientifica da “Guerra das Estrelas”, e mais recentemente do excelente filme “Avatar”. O problema é que para se reconhecer a verdade de alguma fantasia tem de se conhecer antes alguma parte desse mundo imaginal, pois é dele que tudo parte.

Só em sonhos consegui entender as “Mansões Filosofais” de Fulcanelli. Lembro-me de, durante algumas tardes e noites, adormecer depois de lidas algumas passagens e, por uma estranha forma e fórmula que ainda hoje não entendo, sempre que adormecia sonhava com as passagens que havia lido e, em sonhos, tudo fazia sentido. Acordava com a noção de um sentimento de “completo”, sendo esta a palavra que mais se aproxima dessas experiências.

Não entendendo nada de química, aquele modo de escrever chamava-me para aquilo que hoje compreendo serem universos sobrepostos, uma espécie de astros que se alinham, se conjugam e que vão do mais alto ao mais baixo. E o que fazia sentido em termos simbólicos teria de fazer sentido também num plano material. Exactamente o mesmo sentido. A alegoria alquímica não era alegoria alguma, era somente alegoria dela própria. A procura do ouro era algo tão palpável e simultâneo como a procura da santidade. E para que tal acontecesse os astros tinham se estar alinhados e os deuses estarem de acordo com o alquimista e com os seus passos escondidos no jardim (para citar a ideia de Rémi Boyer quando fala do alquimista como um jardineiro que se esconde).

Daqui que se possa concluir que quem mergulha no mundo como símbolo mergulhe na própria vida, tal qual ela é, com todos os seus planos sobrepostos, numa tentativa de “alinhamento”, de harmonia, em busca do centro. Não é em vão que o símbolo do ouro seja uma circunferência com um centro ao meio.

Para quem tem dúvidas do que afirmo comece por ler este excerto das «Mansões Filosofais», e, a partir dele, inicie um processo de associações, com a sua própria vida, com a vida de outros, com uma obra literária, com a física quântica, com um jogo de crianças, enfim, associe com o que quiser, e verá que dentro desses voos redundantemente voláteis alguma coisa de fixo, de verdadeiro, se encontra. Principiemos:

“Assim se vê como seria vão trabalhar com ouro, porque este nada tem, não pode evidentemente dar coisa nenhuma. É, pois, à pedra bruta e vil que precisamos de nos dirigir, sem repugnância pelo seu miserável aspecto, pelo seu infecto odor, pela sua coloração negra, pelos seus sórdidos andrajos. Pois são precisamente estes caracteres pouco sedutores que permitem reconhecê-la e fazem com que, em todos os tempos, ela seja considerada uma substância primitiva, provinda do Caos original, e que Deus, nas alturas da Criação e da organização do universo, terá reservado para os seus servidores e para os seus eleitos. Tirada do Não-Ser, ela traz a marca dele e dele recebe o nome: Nada. Mas os filósofos descobriram que na sua natureza elementar e desordenada, feita de trevas e de luz, de mau e de bom reunidos na maior confusão, este Nada continha Tudo o que eles podiam desejar." (Ed. 70, 1989, pag. 338)

A diferença entre os dois textos transcritos é simples, o primeiro é falso, o segundo é verdadeiro e eterno, pois fazia sentido no Antigo Egipto, tal como faz hoje. E mais, o primeiro não conduz a nada, o segundo é um apelo total à operatividade na própria vida, gesto e corpo. O primeiro está cheio de vaidade, o segundo de humildade. O primeiro é uma associação de símbolos desenfreados, o segundo respira poesia e amor pelos factos da vida. O primeiro vive num mundo de fantasia onde todos começam por ser Adeptos Perfeitos, no segundo, pela imaginação, o leitor é erguido num apelo para se transcender, a começar pelo princípio verdadeiro, o facto de ser imperfeito. O primeiro fala de uma Fraternidade Branca, o segundo fala de um miserável aspecto, do seu infecto odor, da sua coloração negra e sórdidos andrajos.

Os vários níveis de leitura são impressionantes e quando essa leitura se torna vida, os vários níveis de vida são ainda mais impressionantes.

Iniciei este texto por causa dos indícios que uma boa obra sempre deixa e não poderei deixar de referir o papel dos “lemas” ou “emblemas” espalhados por aqui e ali nas «Mansões Filosofais». Estando apenas a procurar a fórmula do ouro, tais emblemas não fazem sentido, estando à procura da transcendência, tais emblemas só fazem sentido e são eles a raiz de todo o bem, belo e vero, uma verdadeira bíblia paralela cuja linguagem é a poética. Deixo alguns como exemplo e vou dá-los apenas como palavras sem imagem (com imagem ainda se tornam mais ricos, complexos e susceptíveis de associações):

“ A prudência é a guardiã das coisas”
“Não tu, mas nada sem ti"
“Agora, em verdade sei”
“A verdade vitoriosa”
“Enquanto o fogo durar”
“Antes a morte do que a mancha”
“Se os destinos aí te chamam"
“Morro pelas minhas próprias penas"

Recentemente estive no Colóquio Internacional Carvalho Monteiro, Vida, Imaginário e Legado, brilhantemente conduzido por João Cruz Alves e Manuel J. Gandra. Digo que foi brilhantemente conduzido (houve de facto uma condução até um determinado ponto) porque no final de tudo, após dias a revirar a vida do senhor, a analisar os seus passos, a sua biblioteca, os seus interesses, surpreendentemente, como que a brilhar na noite, foram revelados os lemas que este usava ao peito, mesmo junto ao coração, pendurados num fio. Deixo-os, também sem imagem mas são suficientes:

Relativamente ao Fogo: “Não desço nunca
Que tudo me consuma contando que agrade”
“Dá o teu fruto sem o prometer”
“Serpenteio mas não me desvio"
Relativamente ao Leão: “Quem ousará atacá-lo?”
“Nada espero senão de mim mesmo"
Relativamente ao Sol: “Privado de ti, eu morro”

Boas leituras!

3 comentários:

  1. Perdoem o (des)arranjo gráfico, mas de vez em quando, o Designer invísivel faz birras e, por mais que o tentemos convencer, ele só faz o que quer. Foi o melhor que se arranjou.

    Cynthia

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  2. Sim. O jogo de símbolos pode ser tão sedutor quanto o Sudoku. O problema é que, com o Sudoku, dominamos a arrumação de 9 números. Com meia dúzia de símbolos certas pessoas há que pensam dominar a vida.
    E aquilo, de facto, nem símbolos são. São coisas manifestadas a alguém que julgou receber várias revelações. Deixo, para pensarmos no assunto, uma pequena coisa que vi num programa ridículo de televisão mas daqual nunca mais me esqueci. Falo de um programa do José Castelo Branco, no qual recebeu uma senhora dos seus 40 anos, talvez. A senhora era uma espécie de médium, garantindo que, por vezes, recebia revelações de Nossa Senhora. Ao ouvir isto, o José Castelo Branco soltou um berro (daqueles que só ele sabe dar) dizendo: "Ai, mulher, que isso é blasfémia!" A senhora estremeceu, parecendo que naquele momento tinha percebido tudo. Refez então a sua certeza e disse: "Ou então é uma entidade qualquer que se apresenta como Nossa Senhora"...

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  3. Bem, eu nem cheguei a falar de revelações ou aparições, referia-me à utilidade prática de certas leituras. Olha um pouco como a Santa Teresa de Ávila que dizia que para rezar de forma mecânica mais valia não o fazer. Os símbolos quando explicados como equivalentes a outros símbolos apenas, tornam-se mecânicos e sem vida. Dizer que a Virgem Maria é igual a Ísis acrescenta o quê? Torna as pessoas melhores? As visões e aparições são outra coisa pois implicam a abertura dos céus e, quando verdadeiras, estão carregadas de mensagens às vezes muito difíceis de colocar em palavras. Basta ver o exemplo do profetas que frequentemente só se conseguiam exprimir por imagens. Eu nem ia tão longe no texto, comecei apenas pela base, e a base está no reconhecimento da nossa imperfeição e não na ideia de que já nascemos Adeptos Perfeitos. Mas há quem teime em começar a construir pelo telhado e depois perca o chão, permanecendo num mundo virtual e perigoso. Facilmente uma Fraternidade Branca e muito Ariana se confunde com a cor da pele. O monstro do Hitler confundiu. E o perigo está no facto de muitos nascerem já com um parafuso a menos aproveitando estas teorias como o Gollum do Senhor dos Anéis, agarrado ao anel e dizendo: "My precious, my precious".

    Bjs da Cynthia

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