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sexta-feira, 12 de junho de 2009

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 12

António Carlos Carvalho

Santo António de Lisboa leva nos seus braços Fernando Pessoa, em vez do Menino Jesus. É o que vemos numa estátua que se encontra exposta na montra de uma loja de bricabraque situada na Rua Luz Soriano, ao Bairro Alto, em Lisboa.

Não sei quem é o artista que tal escultura fez, mas a ideia é feliz: sublinha, de uma maneira ingénua ou talvez irónica, que o poeta nasceu no dia em que se assinala a morte do santo, 13 de Junho, que ambos nasceram na mesma cidade, apenas em colinas diferentes separadas pelo vale do Rossio – e, claro com uma diferença de oito séculos. Por ter nascido nesse dia, o menino dado à luz no Largo do Teatro de S. Carlos recebeu os dois nomes do santo, Fernando António: Fernando, nome de baptismo, e António, nome monástico. E também herdou a mesma obsessão pela palavra: o santo pregou-a do alto dos púlpitos e o poeta fez dela o seu instrumento de entendimento da vida e do mundo.

Fernando Pessoa aos dez anos

Há dias, arrumando livros numa estante, passei novamente os dedos e os olhos por uma preciosidade: o número 84 dos Cadernos Culturais da Editorial Inquérito, publicado em 30 de Janeiro de 1944, «A Nova Poesia Portuguesa», de Fernando Pessoa, com um prefácio de Álvaro Ribeiro. O caderno reúne artigos do poeta inicialmente publicados em 1912 em *A Águia* e novamente publicados em 1941 pela revista *Ocidente*, e também uma carta de réplica a Adolfo Coelho publicada em 1912 no jornal *República* e e transcrita no livro de Boavida Portugal, *Inquérito Literário*, de 1915.

Nesse prefácio, Álvaro Ribeiro lembrava:
«A obra dos poetas da Renascença portuguesa deu motivo a duas interpretações de ordem filosófica: a de Fernando Pessoa, nas páginas de *A Águia*, e a de Leonardo Coimbra no livro intitulado *O Criacionismo* e em outros escritos menores. É sabido que Leonardo Coimbra foi o primeiro filósofo português do seu tempo, e que exprimiu, numa obra complexa, difícil e por vezes enigmática, um drama espiritual que terminou pelo acto da conversão religiosa. Mas quanto a Fernando Pessoa, há quem ignore que ele escreveu alguns ensaios de estética e de metafísica que enriquecem o património filosófico dos portugueses.»
E ainda:
«Fernando Pessoa era poeta e filósofo, ouvia dentro de si as falas do diálogo eterno. Era também um profeta. Não foi arrancar a realidade portuguesa às trevas do inexistente, com a candeia de historiador ou de passadista: viu-a imediatamente, de olhos erguidos para o Céu, à luz brilhante dos mitos.
«Terá o povo que esperar alguns anos pela publicação integral da obra filosófica, estética e política, de Fernando Pessoa. Se, durante esse prazo, nos convencermos definitivamente de que não nos cumpre receber lições do passado, nem do estrangeiro, chegará o público amadurecido à compreensão de uma obra original. Será o momento próprio de determinar os valores autênticos da espiritualidade portuguesa pelo diálogo constante entre a poesia e a filosofia.»

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