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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

PENSANDO À BOLINA, 20

Pedro Sinde


A facilidade do mal
Uma das tonalidades que perpassa alguns autores da filosofia portuguesa é o modo de conceber (também dizemos encarar) o mal como uma realidade existente e não apenas como uma privação do bem. É, de resto, uma concepção coerente com o modo de ser realista do português, modo que, quando distorcido, decai num pragmatismo hediondo.
Pensando em torno disto mesmo, ocorreu-me como o mal é, por assim dizer, fácil e como o bem é difícil. É este um dos aspectos que nos torna patente de modo lancinante a nossa condição decaída. Suponhamos que um artista demorou vinte anos (houve um tempo em que os artistas demoravam mesmo anos!) a completar um quadro. Imaginemos agora que um adolescente atormentado o risca num segundo. Outro exemplo, o nosso corpo forma-se ao longo de muitos anos, através de uma complexidade espantosa, mas um acidente priva-nos de um braço num segundo. Outro exemplo, um homem foi íntegro ao longo de toda a sua vida, mas uma calúnia ou uma mentira, que têm a velocidade da luz, vêm manchar a sua reputação para sempre e num instante.

A Queda de Lúcifer, de Gustave Doré

A "facilidade" do mal é assustadora nesta nossa terra. O homem de resto é um ser inquietado; a paz não é um estado natural, ou ele não afirmaria constantemente: "procuro a paz", "preciso de paz", "temos de lutar pela paz" e outras expressões semelhantes. O seu estado natural parece ser, pois, a guerra; a paz deve ser, de um ou outro modo, conquistada.
Se, como diz S. Paulo, nós aqui nesta terra vemos em espelho e não a verdade directamente, isso pode querer dizer que no outro mundo, tudo seja às avessas deste: a verdade talvez seja eterna e a beleza imaculável.
Assim o espero e desejo, mas Deus sabe mais.

1 comentário:

  1. O conceito de mal como uma realidade existente e não apenas como privação do Bem, tem sido o problema de alguns pensadores da filosofia portuguesa. Muito atormentado, como sabemos, foi, por exemplo, Sampaio Bruno. Mas é claro que um teológico e escatológico conceito de mal entenderam-no de modo algo diferente Leonardo Coimbra e José Marinho, ou Leonardo Coimbra e Álvaro Ribeiro. «Realidade existente», de facto é, todavia uma existência por certo efémera no Plano da Criação, e ninguém duvida de que, em muitos momentos da vida, a força do mal parece ser soberana face ao poder do bem. Daí entender-se a ideia do Pedro Sinde: «o mal é, por assim dizer, fácil e como o bem é difícil».
    Os Anjos Luciferinos que instigaram no Homem a raiz do mal, proporcionaram-lhe a RAZÃO que, todavia, não se opõe ao AMOR. Ou seja, quando o ser humano regressar ao Paraíso vai melhor do que quando, simbolicamente, foi expulso por ter comido da árvore do conhecimento. Há de facto, uma diferença fulcral entre uma docilidade paradisíaca, dir-se-ia também pureza, inactivas (ou pelo menos em que o Homem não coloca em marcha novas causas, a causa epigenética, embrenhado que está na pura mas simples contemplação do divino) e a condição do Filho Pródigo que regressa e, CONHECENDO O MAL, OPTA DEFINITIVAMENTE PELO BEM! Assim, o mal surge na Criação (seja qual for o modo como aparece nas suas encenações) não como maldição, mas como processo de divinização árdua do homem, e lentamente cada vez mais consciente ao longo dos milénios. O mito de Prometeo di-lo. Mas é preciso ver que o fogo roubado aos deuses, quando de novo em jeito de oblação o devolvermos, vai diferente depois de passar na forja da Terra. Não foi esta (como tudo o mais) criada por Deus?!)
    Retomando a ideia do Pedro Sinde, «o mal como privação», conceitos de privação, ausência e até negação, são consequências de AFASTAMENTO (seja por que tempo for), DESCENTRALIZAÇÃO, alguns poder-lhe-iam até chamar PECADO (em música diz-se desafinação ou/e descompasso). Mas é neste contexto que o sentido mais profundo de SAUDADE emerge do povo português, silenciosamente explosiva como o nascer do Sol!
    Um abraço
    Eduardo Aroso

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