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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 98


A República dos objectivos ou dos ideais?
Eduardo Aroso

Embora a discussão em torno das ideias de república, de monarquia constitucional e parlamentar para Portugal continue a ser legítima, e considerando que é muito remota, no plano mundano, a possibilidade de implantação de uma qualquer monarquia (quebrada que foi a nossa tradição), torna-se de certa maneira obsoleto falar tanto da república pela república, ou, como fazem alguns, da república contra a monarquia, ou vice-versa, ao invés de plasmar um sonho, abordar a organização de um grande projecto, em suma, recuperar a alma do Povo, esse oxigénio vital para “respiração” de qualquer forma de governação.
Nestes últimos meses tem surgido um desarrazoado de situações que se tecem à volta do que de bom e de mau tem sido a república. Fica-nos a sensação de uma espécie de ser que nasceu com malformações tais que todos lhe pegam ao colo, mas ninguém a quer curar das maleitas.
Se é certo que A República de Platão, continua a ser o paradigma (ideal) do que ainda não foi atingido – de lá para cá, consideremos, se quisermos, as novidades da Revolução Francesa - e que pensar os antecedentes da república, o seu aparecimento e a sua existência em Portugal (que quase todos contam por 100 anos e outros por cento e tal!) nos pode conduzir a encontrar mais claramente o fio de Ariadne da nossa História, colocar frente a frente república/monarquia, militando ardorosamente na primeira, é como dizer que os homens e mulheres dos cinco continentes pertencem à espécie humana!
Ser republicano é pertencer à grande maioria, mas por assim ser é que, justificar isso, não é culturalmente razoável. Importa – sobretudo isto – não sufocar a beleza da diferença, que, na minoria, pode clarificar o que de bom e de mau há no chamado espírito de maioria.
A aparência de um céu nocturno, no mesmo local de observação e na mesma época do ano, povoado por uma imensidade de corpos luminosos, apresenta-se-nos de modo diverso se por ali passa um solitário cometa ou se dá outro fenómeno astronómico minoritário, mas, sucedendo, susceptível de proporcionar uma outra visão holística da abóbada celeste.
O que eu quero dizer é que muitos republicanos aprendiam mais sobre a república (ideal) se se debruçassem sobre os fundamentos da monarquia (não as modas) e neste caso teriam que ler, por exemplo, De Monarchia de Dante. Por outro lado, os monárquicos deveriam aprofundar o porquê de «o que está em cima é como o que está em baixo», não se verificando desde há muito nas sociedades modernas, levou ao ensombramento da figura do rei (que, apesar disso, ainda hoje na astrologia é figurada pelo sol) como representante divino na Terra para determinada nação e povo.
Esta oposição república/monarquia não é semelhante a uma outra (embora típica), a de direita/esquerda, nem pelo essencial nem pela discrepância da quantidade de prosélitos ser tão acentuada, sabendo nós a importância dos números e estatísticas para a política moderna, filha amada do positivismo e de todas as posteriores formas de materialismo. Perante a diferença de adeptos de um e outro regime, se à minoria monárquica pode fazer algum sentido afirmar e explicitar as suas convicções, desde que feitas na devida substância – até por razões de esclarecimento de uma larga camada do público que muito desconhece da monarquia - já aos republicanos (os jactantes) é caricato insistir na ideia na qual militam, a não ser para estudar melhor a já citada República de Platão, como medida para evitar, tanto quanto possível, eleitos ignorados por eleitores ignorantes.
Se assim não for, afirmar em 2010 a república pela república, ou contra a monarquia, seria ir dar ao tal exemplo: era uma vez um europeu, um africano, um asiático e ainda dois habitantes dos restantes continentes, que se encontraram para concluírem festivamente que pertencem à espécie humana!
O ditado popular «chover no molhado» podia sair à rua no 5 de Outubro, com a devida ressalva (ou não houvesse excepção para toda a regra) de que nem a chuva é toda a mesma (ácidas e menos ácidas) nem o chão é o mesmo. A chuva que caiu no 31 de Janeiro de 1891 não foi a dos pingos ácidos que se derramaram no 5 de Outubro. Nem este chão era já o mesmo.
Cabe aqui recordar uma publicação de António Cândido Franco, Panfleto contra Portugal, também na intenção de chamar a atenção que sobre este escrito de lúcido pensamento, rico conteúdo e estilisticamente escorrido, caiu um enorme esquecimento de mais de duas décadas (foi publicado em 1989), embora este que escreve já tenha ouvido e lido artigos nestes últimos anos, nos quais, lamentavelmente, frases quase ipsis verbis são ditas e escritas, não havendo referência quanto à fonte. Vamos então (re) ler Panfleto contra Portugal (não se interprete precipitadamente a expressão), Edições Arauto – Jorge Cabrita):
«Há dois níveis de afirmação da República, porque há realmente duas Repúblicas: a proclamada em 5 de Outubro de 1910 em Lisboa e a proclamada em 31 de Janeiro de 1891 no Porto. A primeira actuou no plano político, a segunda no plano cultural. Ela constitui, a meu ver, a única República pela qual vale a pena ainda hoje ser republicano.» (…) «É ela ainda que está na base de algumas declarações republicanas de Fernando Pessoa, ou ainda na actividade cívica de Agostinho da Silva. Só esta República, mais ideal do que real, mais individual do que colectiva, parece ter de facto contribuído para resolver alguns problemas colocados tanto pela dinastia dos Braganças, como pelo constitucionalismo liberal. A outra, a que ocupou em Lisboa o Terreiro do Paço, parece ter sido apenas uma caricatura nova dos problemas antigos».
É por demais conhecida a diferença nítida entre objectivo e ideal. Este foi banido há já muito do modo de vida das sociedades contemporâneas, dando lugar à epidemia dos objectivos actuais que fazem seres humanos infelizes (mesmo cumpridos os tais objectivos) levando até alguns à loucura e ao suicídio. Se acaso tivéssemos que aplicar as palavras objectivo e ideal à república de 5 de Outubro e à de 31 de Janeiro, ficariam bem na respectiva ordem.
É apenas nesta linha de pensamento do que aqui foi entrelaçado que a discussão da república portuguesa pode ter sentido. Alheada do ideal, fora do sentir português, esconjurando a alma do Povo pela inveja e ganância (hoje, plutocrata), mais desmoronando do que cumprindo Portugal, a república dos objectivos (seja a do orgulho só ou a dos cravos, cumpridos e florescidos uns e outros não) continuará à deriva, mesmo com a excelência dos objectivos em Expo (s) 98, de pontes Vasco da Gama e de TGVs.
Entretanto, à república ideal, os sucessivos governos, em raríssimas datas, vão cuidando dos ossários, guardados no canto da História. Para esta pobre e bela república não há verbas e muito menos fundações. Afundados foram já os seus heróis. Mas o Povo também diz que de vez em quando, nas encruzilhadas dos caminhos, «aparecem almas do outro mundo»!
Equinócio de Setembro de 2010.

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