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terça-feira, 17 de agosto de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 77



Crónica segunda da beira-mar
Eduardo Aroso

Sabemos que existem os nadadores-salvadores, e mais acreditamos neles se, por desventura, nos encontramos numa situação súbita de perigo. Podem outros, por ali perto, tentar dar uma ajuda, quantas vezes abnegadamente, porém aquele que se vê aflito não pode deixar de pensar no moço de pele bronzeada, boné e camisa branca, apito pendurado à volta do pescoço. Se pensarmos um pouco, logo concluímos que a lembrança dolorosa (por necessidade) da sua existência é directamente proporcional ao perigo que nos cerca. Pode haver também uma situação em que o indivíduo em apuros não se lembre do nadador-salvador, mas este esteja mais atento do que possa imaginar o aflito. Acontece, por exemplo, com uma criança.
Mesmo num diálogo culturalmente contextualizado, se uma pessoa cair na insensatez de perguntar a alguém que esteja por ali ao sol, se acredita num salvador da pátria, num D. Sebastião ou noutra figura carismática, já sabe qual será a resposta: negativa, em vários cambiantes, desde a negação por anacronismo histórico até ao riso irreflectido, quando não brejeiro. De um modo geral, acredita-se que um acto eleitoral, com um cenário de outros candidatos (sempre os mesmos figurinos, vestidos de outro modo) e novos programas poderão mudar as coisas. Mas tanto os nadadores-salvadores, cuja missão é salvar quem está em apuros, como os políticos que são axiais no rumo de um país, todos dependem de uma dada situação marcada no relógio dos acontecimentos, feixe de convergências, algumas delas enigmáticas, para não dizer misteriosas. Fernando Pessoa traduziu superiormente esta verdade no verso «O homem e a hora são um só», e que paira muito acima do pensamento de Ortega y Gasset «o homem e a sua circunstância». A esta afirmação horizontal, contrapõe Pessoa a hora que não pode ser outra senão a do providencialismo histórico.
Não depende só do nadador-salvador a nobre missão de evitar que alguém morra afogado; a prova disso é que, apesar dos rapazes estarem atentos no seu posto de trabalho, alguns banhistas, infelizmente, sucumbem. O governante que muda ou contribui decisivamente para a mudança do curso dos acontecimentos do seu país, quer saiba ou não, tem a seu favor a hora. Melhor, é esta que o toma para o irreversível curso da História, regida pelas linhas de força ou ciclos planetários que, «para quem se der ao trabalho de verificar» podem ser lidos no céu.
Em Aljubarrota a hora era nossa; mas em Alcácer-Kibir deu-se o contrário. Não sabemos de que tipo será a próxima batalha – acaso podemos já estar na liça há muito – e se será necessário chamar por um nadador-salvador, ou se no caso da criança, seja qual for a desatenção e ignorância, um salvador vele no meio do perigo. É de acreditar que sim, pois não tem a criança a coroa do Espírito Santo?
14-8-2010

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