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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

SABEDORIA ANTIGA, 11



O rinoceronte mais célebre da Europa

Alexandra Pinto Rebelo

No início do séc. XVI, Afonso de Albuquerque entra em conversações com o Rei de Cambaia. O objectivo era obter a permissão para a construção de uma fortaleza portuguesa em Diu. Como era costume no seu tempo, entrega presentes da parte do Rei de Portugal, D. Manuel. A autorização, mesmo com os obséquios, não é dada. No entanto, o Rei de Cambaia retribui os presentes: um “catalete de lavor em madrepérola” para D. Manuel e uma “bicha monstruosa”, o rinoceronte, para Afonso de Albuquerque. O animal chega a Goa em Setembro de 1514. Afonso de Albuquerque não sabe o que lhe há-de fazer. Lembra-se então que D. Manuel gosta de animais exóticos, mantendo alguns elefantes asiáticos no Paço do Rossio, devidamente acompanhados pelos seus tratadores indianos. Decide enviar-lho. A “bicha monstruosa” lá parte de Cochim em Janeiro de 1515, alimentada a palha e arroz pelo seu tratador indiano, chegando a Lisboa, em boas condições de saúde, a 20 de Maio do mesmo ano.

O animal causa espanto como não poderia deixar de ser. Corre pela corte a informação de que os rinocerontes são, sem sombra de dúvida, mais fortes do que os elefantes. D. Manuel quer verificar se assim é, ficando marcada uma luta entre a “bicha” e um dos elefantes “lisboetas”, confronto ocorrido a 3 de Junho de 1515, no Palácio da Ribeira, relatado mais tarde por Damião de Goes na sua Chronica Del Rei D. Manoel (1566).

A luta, ao contrário do que poderíamos esperar, não foi nada cruel. O elefante era jovem e quando percebe que o rinoceronte vai na sua direcção, dá meia volta e foge, sendo levado de novo para as suas instalações sem nenhuma mazela. O rinoceronte é aclamado nesse momento como o animal mais aguerrido, tornando-se célebre.

O Rei decide enviá-lo a Leão X, como presente. Por esses tempos, convinha dar presentes surpreendentes aos Papas para o que desse e viesse. O rinoceronte parte de novo em viagem em Dezembro do mesmo ano. Mas a notícia da presença do animal em Lisboa já corria pela Europa. Francisco I, Rei de França, pede que o navio transportando a preciosa carga aporte em Marselha, a caminho de Roma, para que ele o possa ver. Assim fazem. Novamente no mar, acontece o não menos célebre naufrágio, atirando para a costa o corpo do rinoceronte já sem vida.

É Valentim Fernandes, tipógrafo da Morávia a viver em Lisboa, que dá a notícia do rinoceronte aos seus amigos em Nuremberga e em Augsburgo. Para além da descrição verbal do animal, envia-lhes igualmente um desenho ilustrando a sua fisionomia que, segundo Dagoberto L. Markl, poderia ser uma cópia de um original elaborado por Francisco de Holanda.

Dürer, um dos pintores mais conceituados do renascimento, terá tido acesso à carta e ao desenho enviados por Valentim. É a partir deles que elabora as suas famosas gravuras, datadas, igualmente, de 1515.

Deste curioso episódio da nossa história, poderemos pensar nalguns apontamentos que dela vamos retirando. Na importância, por exemplo, de Portugal para a abertura da Europa ao mundo. Muito possivelmente desde Alexandre que a Europa não assistia, em fascínio, a notícias de mundos tão distantes. Na rapidez com que a informação circulava no renascimento, sendo uma informação fecunda para os humanistas. Na deslocação de pessoas que, até há bem poucos anos, nunca pensariam em habitar cidades no outro lado do mundo.

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