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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

PENSANDO À BOLINA, 23

Pedro Sinde



Manifesto Contra a Televisão [1.ª parte]
O título é um isco e por isso aqui me penitencio. É que eu queria apenas chamar a vossa atenção para a história que se segue. Podem tomá-la apenas por uma alegoria, podem tomá-la pelo panfleto de um louco, mas não podem tomá-la por uma brincadeira.

Manifesto contra a Televisão

Agora mesmo, nesta hora em que vos escrevo, ela está ali, pendurada num suporte fixo à parede num lugar alto, para obrigar as gentes a olhar para cima. Ali, precisamente naquele lugar, esteve já a imagem de Santo António, agora desaparecida.
Estamos no fim dos tempos. Os homens não acreditam, porque são tão estúpidos que nem sabem que eles mesmos vão morrer. Julgam-se eternos, apenas pela razão de que não perdem tempo a pensar nisso. O mundo, tal como o temos, não é eterno, é composto de mudança; mudanças há que são tão grandes que são como uma ruptura ou parecem tal. É assim que vai ser.
Nos tempos do fim, o mundo, os homens, os animais, as plantas e até as pedras, estão cansados; a criação está farta de sofrimento, está farta de mudança, pressente no ar que qualquer coisa está para acontecer. E está.
Nestes tempos, como em nenhum antes, andam os demónios à solta. Não, não se trata de uma metáfora. Os demónios andam mesmo à solta, possuíram já uma boa parte dos homens; quando não de um modo constante, pelo menos com intermitências.
É para vos contar a história de um desses demónios que este manifesto é escrito. Estou certo que só os loucos perceberão de que se trata, mas isso também é um sinal dos tempos: só os loucos são lúcidos. Os outros, julgando-se equilibrados… pobres coitados, vivem num cárcere.
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São vários os demónios que procuram, por este ou aquele meio, possuir a humanidade. Hoje, isso é relativamente fácil; antes havia vários obstáculos: havia religião, havia tradição, havia a vida natural e sóbria e os homens eram dotados de uma certa percepção sobrenatural. Hoje, estão embrutecidos, isto é, já não são dotados do sentido para o sobrenatural, quer dizer, é mentira que o homem tem um “sexto sentido”, o que é verdade é que já teve.
Um dos demónios que mais sucesso teve e, ao que parece, terá é o que inventou aqueles aparelhos que formam imagens e as põem em movimento: as máquinas projectoras de filmes, as televisões, os computadores e as máquinas holográficas.
O deus dos demónios dá-lhes como missão virem à Terra, que é o purgatório entre o inferno e o céu e onde um e outro começam (na verdade, este purgatório já foi quase todo tomado pelo inferno, mas isso fica entre nós), para possuírem o maior número possível de homens.
Por que foi dada esta missão aos demónios é coisa que não se sabe, é, aliás, coisa, que nem eles mesmos sabem; mas cumprem-na como qualquer um de nós cumpre a missão que sente na alma ou apenas como quem pica o ponto no trabalho. Há demónios mais empenhados, há demónios menos empenhados; a burocracia e a obrigatoriedade do trabalho são obra de um demónio genial que fez tanto sucesso que foi adoptada mesmo entre os próprios demónios.
Em todo o caso, o demónio de que vos quero falar é um daqueles que gosta do que faz e quer desempenhar o seu trabalho o melhor que puder. Não é tanto para ‘tirar’ um excelente na sua avaliação, mas porque realmente gosta do que faz, quase poderia dizer, ama o que faz, se fosse possível dizer que um demónio ama.
(continua)

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