(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



terça-feira, 18 de agosto de 2009

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 23

António Carlos Carvalho

Esta noite sonhei que tinha encontrado os diapositivos do António Quadros.

Sei bem o que isso significa para mim: António Quadros era um apaixonado pelas velhinhas igrejas românicas que se encontram por esse Norte adentro, às vezes em lugares de difícil acesso, sobretudo longe dos percursos apressados dos turistas. Mas ele fazia questão de as fotografar e de preservar as imagens delas nos seus diapositivos, cuidadosamente catalogados e arrumados num compartimento da antiga sede do IADE. Imagino que os diapositivos não estarão perdidos, mas sim guardados pela família de António Quadros, juntamente com o resto do seu espólio.

O meu sonho falava-me de outra coisa: de um IADE que se perdeu, que não existe mais, de um projecto cultural e filosófico que morreu com a desaparição do seu fundador.

Sei exactamente por que tive este sonho.

É que há poucos dias, mexendo em velhos arquivos, reencontrei um desdobrável que anunciava as iniciativas do IADE para o ano de 1983-84 – entre elas, um Curso Básico de Cultura Portuguesa, curso livre de dois anos, com horários acessíveis a todos (das 18 às 20 horas, entre segunda e quinta-feira) e que tinha este programa:

Segundas-feiras -- «As Teses da Filosofia Portuguesa», por Orlando Vitorino; «A Imaginação Mítica e Simbólica na Pintura e na Arte Portuguesa», por Lima de Freitas.

Terças-feiras -- «A Pedra Angular, Introdução à Simbólica Tradicional da Arquitectura Portuguesa», por António Carlos Carvalho; «As Instituições Políticas Portuguesas, Fundamentos e Evolução», por Jorge Borges de Macedo.

Quartas-feiras -- «Teoria e Prática da Arte Cinematográfica e o Cinema Português», por António Lopes Ribeiro; «História e Estética da Cerâmica e da Azulejaria Portuguesa», por Rafael Calado.

Quintas-feiras -- «Teoria e Problemática da Identidade Cultural Portuguesa», por António Quadros; «História e Estética do Teatro Português», por Duarte Ivo Cruz.

Estes cursos livres, entre outras virtudes, possuíam a de reunir os assistentes mais improváveis, misturando gerações e profissões, todos unidos pelo mesmo interesse: isto que fomos e que somos.

António Quadros
Lembro-me, por exemplo, de ter no meu curso arquitectos e alunos de arquitectura – e de perguntar a estes o que os levava a frequentar um curso como o meu: «Ninguém nos ensina estas coisas nas nossas aulas da faculdade...»
Mas também ali estavam secretárias de empresas, alunos de Direito ou de Economia, até mesmo um comissário de bordo da TAP.
Os cursos organizados por António Quadros faziam estes pequenos milagres. Criar espaços e tempos para se falar, para se debater o que ele próprio intitulou «A Arte de Continuar a Ser Português».
Do meu ponto de vista pessoal (eu, o jovem anão entre aqueles gigantescos senhores), devo a António Quadros a oportunidade de falar em público sobre algumas das minhas obsessões «esquisitas», de explicar a muitas dezenas de pessoas interessadas o que significava a orientação de um templo numa Idade Média que nunca foi uma «idade das trevas», como muitos ainda insistem em dizer, talvez por serem cegos ou ofuscados pelo néon «pós-modernista».
Depois desse curso livre sobre Simbolismo da Arquitectura Sagrada ainda regi mais um outro sobre o simbolismo do Manuelino, a que assistiram muitos dos inscritos no curso anterior. O IADE criava fidelidades dessas.
Sabemos o que aconteceu a seguir. António Quadros adoeceu e deixou-nos.
O IADE, sem piloto e sem rumo, nunca mais teve cursos livres. Transformou-se num estabelecimento de ensino igual aos outros. As últimas notícias que me chegaram a seu respeito levam-me suspeitar do pior.
E agora resta-me sonhar com imagens perdidas dentro dos sonhos.
Como é que se chama a uma idades destas...?

2 comentários:

  1. Caro António Carlos,
    com certeza que se lembra de mim! O António, o filho mais velho de António Quadros. Tenho por si muita admiração, mas deixe-me contradizê-lo parcialmente. Trabalhei 10 anos consecutivos com o meu pai no IADE e lá estive mais 16 anos, até Julho passado, altura em que saí. Fui Director Geral, durante 17 anos, depois de ter sido Adjunto de Direcção, Director Adjunto, Director Executivo e mais tarde Director Geral, nomeado por uma Administração, presidida por António Quadros.
    É evidente que, com o desaparecimento de António Quadros, tudo o que estava mais ligado à filosofia portuguesa, foi rareando. É menos correcto que o IADE tenha ficado sem piloto e sem rumo! Costuma-me ler essas palavras, pois não é verdade - desculpe a ousadia.
    Depois da morte de António Quadros, o IADE viu ser reconhecida a sua Escola Superior de Design, como a melhor do País; os Cursos Livres não desapareceram, antes multiplicaram-se; apareceram as Licenciaturas e Mestrados; apostou-se na Integração Profissional e nas Relações Internacionais; criou-se uma Unidade de Investigação; uma Revista de Cultura - A Idade da Imagem; as ligações com as Empresas; os Concursos; as Parcerias; os Protocolos; inaugurei com os amigos António Braz Teixeira e Manuel Gandra a Biblioteca António Quadros; enfim, podia continuar...
    Foram outros tempos, outras iniciativas, sempre apoiadas em vida por António Quadros e desenvolvidas após a sua morte.
    É óbvio que o IADE perdeu um filósofo, um grande Pensador, um Pedagogo, como escrevi na minha carta de despedida e que terei o maior prazer em lhe enviar, mas apareceu outro mundo que teríamos de agarrar. Foi o que fiz e orgulho-me de ter continuado a obra do meu pai. Em de Julho deste ano, deixei de pertencer aos quadros do IADE.
    Quanto aos slides, eles são infelizmente propriedade do IADE.
    Peço-lhe desculpa por estas linhas, mas que não se sente, não é filho de boa gente!
    E se é certo que eu tenho o maior orgulho no meu pai, também ele se orgulhava do trabalho do seu filho.
    Pode ir acompanhando o trabalho da família, através da Fundação António Quadros - Cultura e Pensamento.
    Um abraço amigo,
    António Roquette de Quadros Ferro

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  2. Gostaria de indicar o texto sobre António Quadros no blog www.revistalusofonia.wordpress.com o homem por detrás do Intelectual.

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