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sábado, 1 de janeiro de 2011

SABEDORIA ANTIGA, 5



Alexandra Pinto Rebelo

Já conheci pessoas que, por conhecerem meia dúzia de símbolos esotéricos, achavam que tinham chegado a qualquer lado de diferente que não fosse apenas o conhecerem meia dúzia de símbolos esotéricos. Bem pior do que isto, foi já ter conhecido pessoas que, conhecendo meia dúzia de centenas de símbolos esotéricos se deixavam reverenciar pelos outros, aqueles que apenas conheciam um punhado. Mas em todos esses esotéricos superiores, existe um momento de falta de prudência, em que conseguímos ver no seu olhar a desilusão por saberem que, afinal, estão mais longe "daquilo" do que quando começaram. As prateleiras das nossas livrarias estão cheias de livros escritos por estas pessoas. Ser-se considerado um esotérico, em certos círculos, dá prestígio e dinheiro.

Os símbolos esotéricos são, sobretudo, uma linguagem. Tal como todas as linguagens, não são a coisa em si mas antes códigos a que se lhe referem. Antes dos símbolos há que conhecer o seu referente pois, de outra forma, eles não nos servirão para grande coisa. Posso decorar mil palavras de árabe mas se não souber o seu sentido, elas não me servem de nada. Experimente dizer "Salam ali cum" a um falante. Receberá como resposta um sinal facial de espanto e a resposta "Ali cum salam". Se repetir muitas vezes a experiência vai compreender que ali está qualquer coisa de simpático. No entanto, isso não é falar árabe. Pode decorar até várias frases e pronunciá-las a um não falante daquela língua. Verá que o convence com alguma facilidade de que domina uma língua exótica.

Confesso que tenho uma grande dificuldade em relação à linguagem alquímica. Não consigo perceber nada, a nível simbólico, daquilo que se passa. Por vezes pego num livro com uma imagem e começo a descrevê-la a uma amiga que, ao contrário de mim, parece que fala alquimiano desde que nasceu. A minha performance é mais ou menos assim: "Está aqui um homem com uma espada erguida na mão. Parece que vai matar um ovo grande que está em cima de uma mesa. Não sei porquê, pois o ovo tem aquele ar inocente de todos os ovos e não parece ter feito mal ao senhor. Deve estar muito frio nesta terra. O senhor esqueceu-se e vestiu uma saia curta. Por isso teve de pôr toda a lenha que tinha em casa na lareira e ainda foi pedir mais alguma emprestada aos vizinhos." Estas descrições pertencem ao meu reportório de bom humor. Assemelham-se muito, agora que penso nisso, às descrições do Ocidente feitas pelo chefe índio no livro Papalagui. A minha amiga ri-se porque, ao dominar intuitivamente esta linguagem (e por a conhecer bem por a ter estudado), já não a consegue percepcionar sem um sentido imediato. A minha interpretação literal, acrescentada aqui e ali com um pouco de imaginação, proporciona-lhe um género de humor idêntico àquele com o qual as crianças nos presenteiam. Grande parte do seu encanto, aliás, provem do facto de ainda não dominarem bem os códigos culturais da sua etnia. Desta forma é fácil quebrarem as convenções que para nós já estão completamente adquiridas e mecanizadas, abrindo-lhes uma brecha poética ou humorística.

O melhor do caminho é outra coisa, sendo apenas privilégio de alguns. Refiro-me a conhecer directamente "aquilo" ou os vários "aquilos" que não se conseguem reproduzir com as nossas linguagens habituais. Depois, então, ir reconhecendo os vários símbolos que os tentam exprimir, sendo cada um deles limitado à sua maneira, claro. Se não fossem limitados dar-nos-iam uma representação completa e isso, pela natureza de ambos (do "aquilo" e sua simbolização), é impossível. Depois, então, é deixarmo-nos deliciar com a capacidade que outros antes de nós tiveram na tentativa de exprimir o inexprimível. Lembro-me de certa vez me ter maravilhado por os monges budistas serem chamados de "aqueles que descobriram o caminho de casa". Eu tinha tido aquela sensação sem palavras mas nunca tinha conseguido dar-lhe um nexo semântico e sintáctico.

Com isto tudo não quero dizer que os símbolos devam ser postos de parte. Eles têm o seu lugar. Pertencem ao nosso património cultural, ao nosso património artístico que seria infinitamente mais pobre sem eles. Pertencem ao melhor que o ser humano conseguiu fazer e muitos deles até são o resultado de uniões perfeitas entre mundos que por vezes se tocam. Mas, apesar, de tudo, são apenas símbolos. Trata-se do coração aberto com um canivete numa árvore e não a experiência do Amor em si. O que no fundo quero dizer é que é possível conhecer os "aquilos" directamente sem esperarmos deslumbrados por ouvir os relatos de outros que, a maior parte das vezes, nem lá estiveram. Por muito belas que sejam as imagens que mostram, por muito coerentes que sejam as palavras que usam.

2 comentários:

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