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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ENTRE CÁ E LÁ E OS IBERISTAS DO COSTUME, 1

Carlos Aurélio



[texto originalmente publicado em Março de 2007]
Há na Península Ibérica dois estados independentes – Portugal e Espanha – e cinco nações ou pátrias, conforme suas línguas: Portugal, Galiza, Castela, País Basco e Catalunha. Os iberistas de ambos os lados, Portugal e Espanha, querem que haja um só lado ou um só estado. Os do lado de lá, os de Espanha, chamam naturalmente a parte menor a integrar-se na maior. Os do lado de cá, acham isso óptimo. Eu não acho! Até porque, continuo a ver como é facílimo a um português de Faro entender-se com um português de Melgaço, enquanto vejo como é dificílimo, senão impossível, que um espanhol de Badajoz perceba o que lhe diz um português de Elvas. Não obstante a União Europeia, continuam para bem da Europa, muito claras e nítidas as linhas de fronteira linguística. Haverá, por longos tempos, o lado de cá e o lado de lá.

1 - Para que pudesse ganhar significado o que aqui me traz a escrever, precisaria eu de ser bem lúcido e inteligente, certamente sábio, sedutor talvez. Mas se eu fosse poeta ainda mais decisivo seria. Já perceberão porquê.
Há perto de seis meses o semanário Sol publicou uma sondagem, na qual, mais de um quarto dos portugueses (27,7%) aceitava que Portugal e Espanha fossem um só estado, enquanto 70% negava tal proposta. Passadas duas semanas o jornal espanhol Tiempo repetia os termos da sondagem, agora no lado de lá, na qual uma maioria simples de 45% de espanhóis aceitava a mesma ideia. Esses espanhóis, muito tolerantes e abertos, nada egocêntricos como sempre nos habituaram, propunham ainda e em três imaginativas surpresas que o novo país assim constituído se chamasse Espanha, que a capital fosse Madrid e o regime de governação a monarquia! Só não sabemos se mantinham o garboso Juan Carlos de Bourbon, ex-exilado nos nossos Estoris, ou se optavam pela inovação dinástica dos Silvas, de Cavaco Silva claro está! Falo do nosso Presidente que ainda o é da nossa República, para recordar que este estalar de foguetório em sondagens, foi mundano aperitivo nos jornais aquando da visita de estado que o nosso casal presidencial realizou nessa altura a Madrid. Aliás, ao casal visitante os anfitriões ofereceram em primeira mão a informação da mais recente gravidez de D.ª Letícia. Coisas de famílias íntimas!
Já vê a benevolência do meu leitor que o assunto aqui trazido exige fundura de tacto e inteligência, só assim se superando em altura as conclusões do rescaldo de tão importantes sondagens telefónicas. Importa desde já que antes sondemos verdadeiramente e até à raiz, as razões dos constantes questionamentos à ideia superior da Pátria Portuguesa, coisa que já dura e que nos lembremos... há quase nove séculos, desde S. Mamede em 1128, nas cercanias alvoraçadas do Castelo de Guimarães. Nessa data, alguns nobres e muitos infanções do Minho e da Maia, o jovem Afonso Henriques e não sabemos ao certo qual clero e se, também, a recém nascida Ordem dos Templários sob a indicação de Bernardo, o Santo de Claraval, já aí algo de radicalmente novo e cristão quisera parir uma novel nação debruçada ao Atlântico, contemplando no Finisterra do Ocidente esse poderoso círculo do sol a morrer devagar no mar oceânico. Já então a viúva do Conde Henrique da Borgonha se aliara e se enleara com Fernão Peres de Trava, formando na altura a primeira dupla de iberistas, dupla que agora vem desembocar naqueles que aderem à integração espanhola na sondagem do semanário Sol. Diga-se que esta iluminação moderna dos iluminados de sempre, já aparecera anos atrás (1986) nos mesmos moldes e números (26%) na sofreguidão iberista do Expresso. O vírus é velho e ataca paulatinamente. Tal virose é incurável e regressa sempre como as gripes e, para a debelar com suficiência, precisaria eu da mordaz matreirice portuguesa de Gil Vicente ou do fogo devastador de Camões, da doçura subtil de Frei Agostinho da Cruz ou das metáforas do Padre António Vieira, da lucidez exacta de Fernando Pessoa ou dos relâmpagos em paradoxos de Teixeira de Pascoaes. Precisaria eu de ser poeta, e dos grandes, que titânica é a manha dos contrários à ideia de Portugal independente. É que, vitalmente e pela poesia tem Portugal justificado e pago aos deuses o milagre de existir, verdade nascida do mito superador que, desde Ourique, poetas e povo verteram em sagração canónica. Portugal é um milagre e a directa confirmação garantida pel’Os Lusíadas quando, no regresso da Índia, foi aberto ao Gama e à alma lusa o livre desembarque na Ilha dos Amores! Compreender isto em seu amplo alcance é potência dada àqueles portugueses que saibam dispor o coração ao acordo com a Pátria em sua vivência espiritual. Só por si, o portuguesinho manhoso, o homo oeconomicus em sua rasa visão, nada vê e até vai petrificando como a Medusa, o olhar de quem dele se aproxima. Fujamos pois para sítio tranquilo e continuemos após a refrega de S. Mamede, auspiciosamente deflagrada pelo solstício de S.João. Até o sol parou, “solsticiamente”, para que Portugal nascesse!
(continua)

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