(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quinta-feira, 24 de setembro de 2009

ENTRE CÁ E LÁ E OS IBERISTAS DO COSTUME, 4

Carlos Aurélio

[conclusão do 2.º capítulo]
Se Afonso Henriques fundou Portugal como nação, a pátria portuguesa que precisa do espírito criador de uma língua nasceu com Camões: «Esta é a ditosa pátria minha amada». A espinha de Portugal vive fora de Espanha e foi Camões, ditoso poeta, a sua medula ígnea. Devido a ele, Portugal e a sua irmã Galiza vivem hoje também no Brasil, em África, no Oriente. Só os poetas e filósofos podem entre si falar destas coisas porque passa por eles o espírito criador das pátrias, as quais, tal como os indivíduos, têm um papel inalienável a desempenhar no destino do mundo. A obra de Rosalía de Castro pode conversar naturalmente com a de Cervantes ou a de Calderon de la Barca, sem que a Galiza sofra desmandos intoleráveis por parte de Castela. Ou a do catalão Gaudí, ainda que arquitecto, pois toda a arte deseja exprimir espírito. Se, todavia, deixarmos o comando das coisas no mando ou nas mãos do homo oeconomicus, acabamos sempre todos à estalada ou em desconfianças de agiotas. Agora que falei de novo em economia, tenho que voltar ao vocabulário moderno mais rasteiro e, nestas coisas mais pequenas, ainda aqui deixo uns cordelinhos necessários para cada qual puxar o seu títere:

Rosalía de Castro
− Eis alguns atributos com que os iberistas do lado de lá, os de hoje e os de sempre, caracterizam o facto de Portugal existir como país independente, não obstante os nossos nove séculos: chamam-nos «brutal mutilação, anomalia peninsular, mentira e fantasia política, artifício, rebelião». Eu, por mim, continuo a achar que Portugal é um mistério e um milagre porque sei que são as palavras que movem o mundo.
− Os iberistas do lado de lá chamam à actual fase de absorção castelhana, à pretendida União Ibérica de: «projecto excitante, cópula, prazer da fusão, gozo interactivo das misturas, projecto estimulante, abrupta atracção incestuosa» (v. Vicente Verdú, El País, 29-9-06). Titulam a coisa como de La Portuespaña, Espugal o Portupaña, tudo dentro do mau gosto do hibridismo ou na sugestão de las parejas homosexuales registadas nos casórios do lado de lá. Felizmente, sabemos da esterilidade dos animais híbridos, como é o caso das mulas.
− Os iberistas do lado de lá escrevem, por exemplo, como vi escrito num evento cultural para que fui convidado: EXPO’98. Lisboa e a seguir e por baixo, ESPAÑA! Alguém imagina, EXPO’92. Sevilha-PORTUGAL? Impossível! Ou então, propõem a mudança dos letreiros comerciais de português para castelhano como apareceu numa reportagem televisiva mostrando Lisboa (TVE, 24-9-06), em antevisão da hipotética União Ibérica.
− Os iberistas do lado de cá, nas nossas escolas e sob a chancela do nosso Ministério da Educação (Fev. 2007), colocam cartazes enormes e supostamente culturais em que os nossos alunos são seduzidos através de prémios de vulto em concursos sob o seguinte tema: “Pinta a TUA Espanha”, no qual o pronome possessivo surge graficamente destacado para que cada aluno tome como seu o que é desejo deles.
− Os iberistas do lado de cá idolatram a Espanha como um país rico e sem problemas. Coitados que não sabem que a morte também ataca os ricos! Se desvendassem os olhos da sua cegueira encontrariam um nível elevado e constante de desemprego mesmo entre os licenciados (porque será que vêm para cá tantos médicos e enfermeiros?), dariam por uma corrupção nas altas esferas do poder económico, por uma especulação imobiliária que eleva os preços e deixa mais de 30% do parque habitacional por vender. A Espanha é um estado com várias nacionalidades em guerrilha, conflituoso, áspero, com uma informação televisiva estatal por completo enfeudada ao centralismo de Madrid. Há semanas atrás, uma muito minha querida amiga da Galiza que vive em Portugal há sete anos, sujeita que fora à inesperada propaganda de um portuguesinho palerma e pró-iberista no meio de uma demorada fila de repartição pública no Algarve, confiava-me a sua indignação: «Seria o homem tonto que imagina não haver bichas e burocracias em Espanha?». Santa paciência, acrescento eu.
− Como poderiam os iberistas do lado de cá justificar que Portugal se viesse a meter dentro do vespeiro que é a Espanha no seu eterno e insolúvel contencioso nacionalista? A guerra da Jugoslávia ainda traz consigo o seu horror tão recente. Saramago diz que sim ao iberismo, até porque, segundo ele seríamos a maior autonomia espanhola (C. Manhã, 9-11-06). Além do erro há ingenuidade. A Jangada de Pedra afunda-se em atoarda de peso a não ser que Portugal aceite resumir-se, com todo o respeito, a algo similar ao País de Gales, à Córsega, à Bretanha, à Alsácia, à Transilvânia.
− Proponho e para finalizar por aqui, a seguinte perplexidade, aliás bem legítima: se a Espanha é assim um país tão apetecível para lhe pertencermos, porque raio andam há mais de 500 anos, galegos, bascos e catalães a quererem fugir dele?
Antecedentes: 1.ª parte; 2.ª parte; 3.ª parte
(continua)


1 comentário:

  1. A propósito da perplexidade em jeito de pergunta, deixada no final pelo autor do artigo, acrescento que em «Reflexão», obra fundamental de Agostinho da Silva, este diz que o maior feito de Portugal foi o ter resistido sempre a Castela.
    Mais: apesar da independência cultural da Galiza, do País Basco e da Catalunha, e mesmo considerando as autonomias relativas, a situação de Portugal é bem diferente, pois é um estado independente. Se a lúcida e quão misteriosa visão de Bernardo de Claraval e o esforço de D. Afonso Henriques se tivessem gorado, é evidente que hoje a Ibéria seria diferente, para bem pior. Assim, vemos que Portugal tem desempenhado um oculto mas real papel de equilíbrio peninsular, que os afogados em estatísticas nunca compreenderão por mais livros e teses que façam. Não é por acaso que Portugal é, ele próprio, O ENCOBERTO.
    Um abraço ao Carlos Aurélio
    Eduardo Aroso

    ResponderEliminar