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terça-feira, 22 de setembro de 2009

ENTRE CÁ E LÁ E OS IBERISTAS DO COSTUME, 2

Carlos Aurélio

[conclusão do 1.º capítulo]
Desde logo foi tão intencional e certeiro D. Afonso Henriques que sempre recusou enviar às Cortes dos vários reinos das Espanhas qualquer dignatário ou mero representante português, nem sequer nelas permitiu o simples hastear do nosso pendão. Ainda que cristã como as outras da Reconquista, a nação foi sempre apontada a uma outra coisa futura, quer chamando-se a si mesma Terra de Santa Maria, quer se abrindo à meditação do Quinto Império. Mas, no final da dinastia Afonsina voltaram em força os do costume: Leonor Teles anda mal com o Andeiro e parte importante do nosso escol bandeia-se com Castela. Os nossos poetas, tanto fazem versos como guerras, e o Mestre de Aviz com Nuno Álvares Pereira, ambos coadjuvados pelas “quadras” populares de Álvaro Pais e de seu enteado João das Regras, escrevem um poema enorme e épico até Aljubarrota. Ainda hoje, o Mosteiro de Alcobaça se aparelha e verseja com as Guerras da Fundação, tal como o Mosteiro da Batalha com as Guerras de Independência, ambos sendo exemplos de pedra viva e virtuosa para a cura de quem se deixou “entuberculisar” pela virose iberista.
Depois de termos voado alto como as águias para vermos num só abraço toda a Terra, o jovem Rei Sebastião deixou-se crivar de setas, tal como o Santo Sebastião atado à coluna – ainda assim uma coluna que liga terra e céu! – e gritou no deserto de Alcácer-Quibir o exemplo do sol atlântico fenecendo, lentamente, no crepúsculo vespertino da nossa Finisterra: «Morrer, mas devagar». Foi então manca e frouxa a “poesia “ de D. António Prior do Crato e, duas máscaras lúgubres do iberismo, – uma de cardeal, o Henrique, outra de rainha, Catarina de Áustria e avó de Sebastião – levaram Portugal de regresso ao grande quintal das traseiras da casa, esquecendo a praia. Afinal, que mais querem os iberistas, se já estivemos 60 anos em dura aplicação experimental das suas teses e tudo deu no que deu? O desfecho culminou com uma criada mais negra que as Áfricas no Palácio dos Almadas ao Rossio a delatar Miguel Vasconcelos, o iberista defenestrado! A História é um teatro cujo texto dramático se escreve depois da representação da peça. Ultrapassada a experiência de Cristóvão de Moura e do conde-duque de Olivares, dois mercenários iberistas, passou Portugal, sempre débil e a coxear, pelo palco do mundo. Depois dos Jerónimos que já profetiza nos claustros o sol fenecendo a ocidente como Sebastião no deserto, desistimos de erguer um quarto mosteiro contemplativo e regenerador como é o de Alcobaça ou o da Batalha, que o de Mafra sendo maior na pedra é menor na alma. Enchemos os bolsos com o ouro do Brasil e tornámo-nos pedintes depois, ora em maus negócios com os ingleses, ora em sujos lençóis com a facção liberal, francesa e napoleónica.

Dom Quixote e Sancho Pança

Veio o século XIX e aí sim o Iberismo até merece que aqui se escreva em letra maior porque, explicavelmente, alguns dos nossos grandes por lá passaram. E tudo na verdade se explica se atendermos a que a doença se entranhara agora na própria monarquia, semente do reino que, entretanto, morria. O vírus havia sido inoculado como vacina contra a fidalguia que, de nobre decaíra em ignóbil, contra o clero muito pouco claro. A Inglaterra roubou-nos um mapa cor-de-rosa e de tão leal aliada enredou-nos, por um Ultimatum, na ilusão de ter como novos amigos os castelhanos, esses velhos inimigos. Temos que admitir como geniais os génios libertados da lamparina do mundo os quais, superiores à melhor ficção, tão genialmente engendram a história dos homens. Mas reparemos nisto que, por ser tão simples, é esquecido: desses alguns dos nossos grandes que passaram pelo iberismo – Latino Coelho, Oliveira Martins, Antero de Quental, Fialho de Almeida, Teófilo Braga, entre outros – nem um só de todos eles por lá permaneceu. O engano é o de sempre: os iberistas de cá não conhecem os iberistas de lá e depois de os conhecerem, recuam, esclarecidos! Alguns ainda foram a convénios ou jantaradas até Badajoz, Salamanca ou Madrid, mas de lá voltaram com o entusiasmo esfriado. É que na Ibéria há uma casa portuguesa com certeza numa falésia frente ao mar, e há também um castelo alcandorado na meseta, muito ao meio, centralista e centrípeto, de ameias guerreiras e olhar de cobiça sobre terras e riquezas. Castela é um castelo com vistas imperiais e o melhor ser que o excedeu foi um cavaleiro de triste figura, fugido ao alcaide. É um grande poeta e chama-se D. Quixote. Castela sempre olhou as Américas como ainda hoje a Espanha mira a Europa. Nunca se esquece que é poderosa nos negócios do mundo e que quer continuar grande como as potências da terra. Pois que seja!
Os nossos iberistas do século XIX fazem-me lembrar o que há meses ouvi na TV (7/11/06-RTP1) a uma senhora, nossa euro-deputada dos finais do século XX, Maria Belo: «Nós éramos os únicos que quando lá chegávamos [Parlamento Europeu] deixávamos de ser portugueses. Passávamos logo a ser europeus. Só que éramos os únicos a fazer isso!» Conclusão: somos naturalmente iberos e europeus antes de tempo, porque anunciamos desde sempre o novo tempo. Nós somos realmente a nação nascida no solstício da noite de S. João, o povo desaparecido no deserto de Alcácer-Quibir e percursor do novo regresso de Cristo, esse sol eterno a morrer devagar no mar oceânico, porque só morrendo pode haver a ressurreição no Quinto Império. Nós somos sempre uma outra coisa e não o sabemos. Não podemos ser iberistas porque já somos, nem europeístas porque há muito que já fomos. Nesta terra do fim seremos o fim, e também o princípio de outra coisa de que não sabemos. Mas, para isso, ainda temos que continuar a ser. «Ser e não ser, eis a resposta», que por Hamlet daremos.
Repito para que a memória faça futuro: nenhum dos nossos grandes que passou pelo iberismo dos séculos XIX e XX por lá parou. Basta que lembremos Teófilo Braga que não deu nessa direcção um único passo político, e isso não obstante ter tido oportunidade decisiva para o fazer ou propor, ele que foi Presidente na novel República de 1910. E grandes também houve que bem souberam lidar com o vírus: Gomes Freire de Andrade, Manuel Fernandes Tomás, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, João de Deus, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Fernando Pessoa, Álvaro Ribeiro, Agostinho da Silva, José Régio, enfim, neles e em tantos outros há um veio de imperecível portugalidade cujas águas desaguam sempre no Atlântico. E isto não impede que possam esses rios portugueses nascer em algo de grandioso nos cumes superiores da Ibéria, a exemplo do Douro, do Tejo e do Guadiana. Mas todos eles correm para cá, não o esqueçamos!

Antecedentes: 1.ª parte
(continua)

1 comentário:

  1. Não basta saber ser português, temos suficientes mestres nisso - e sempre exaltáveis. A questão que se coloca é - que mundo afinal é este? Há alguma virtude na modernidade? Só com uma resposta positiva a esta pergunta é que se pode compreender um plausível papel importante de Portugal no futuro do mundo.

    Dando sinal de vida,
    Fuas Pq.

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