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terça-feira, 25 de agosto de 2009

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 24

António Carlos Carvalho

O seu túmulo é o mais majestoso do velho cemitério de Praga, e também aquele onde os visitantes colocam mais pedras e até mesmo moedas...
A sua estátua, erguida desde 1917 junto do edifício do município de Praga, é a mais impressionante da cidade.
O Maharal de Praga morreu há 400 anos e agora tem uma exposição dedicada à sua vida e obra no castelo da cidade, patente até 8 de Novembro, enquanto os correios checos fazem a emissão especial de um selo dedicado àquele que, não sendo natural de Praga nem sequer checo, marcou definitivamente a cidade com o seu nome.
O rabi Judah ben Bezazel Loew (designado Maharal na tradição judaica) nasceu em 1512, talvez em Worms, junto ao Reno. Até aos 40 anos, é apenas um erudito de Posen, Polónia, onde estudou. Depois, durante 20 anos, de 1553 a 1573, ocupa as funções oficiais de rabino da Morávia, em Nikolsburgo. Aos 60 anos instala-se em Praga, mas a título privado, dirigindo a pequena sinagoga-escola da «Klaus», meditando e amadurecendo uma obra que começa a redigir e a publicar aos 70 anos. Em 1592, já octogenário, deixa Praga para exercer as funções de grão-rabino em Posen. Mas regressa a Praga cinco anos depois para ocupar aí as mesmas funções de grão-rabino, que mantém até à sua morte em 1609, com 97 anos.
Ao contrário do que se possa imaginar, esta longa vida não foi pacífica: o Maharal entrou em choque com os rabinos da Posnânia, por volta de 1596; travou várias disputas teológicas com clérigos cristãos; teve de enfrentar um incidente grave no gueto de Praga em 1602. O respeitado erudito era também um homem que não virava costas à polémica quando se tratava de defender pontos de vista que contrariavam rotinas instaladas na sua comunidade.

Túmulo de Judah ben Bezazel Loew, o Maharal de Praga
Por outro lado, o Maharal é igualmente um homem do seu tempo, muito marcado por esse século XVI recheado de acontecimentos dramáticos. Tal como o nosso Isaac Abravanel, cuja obra conhecia e admirava, o Maharal foi afectado pela expulsão dos judeus de Espanha em 1492; pela renovação das comunidades do Oriente e sobretudo da Terra de Israel, consequência da expulsão; pelas convulsões messiânicas suscitadas por David Reubeni e pelo português Salomon Molko; é tocado igualmente pela Renascença e pelo humanismo judaicos, é contemporâneo de Tycho Brahe, de Keppler e de David Gans em Praga.
Nada do que é humano lhe é estranho. Coloca o princípio da criatividade não em Deus mas no homem. Separado do seu Criador, o homem deixa de ser efeito (em relação à causa divina) para passar a ser ele próprio causa. É livre mas essa liberdade consiste menos na possibilidade de escolher entre bem e mal do que no poder de os criar. A geometria do homem deixa de ser vertical, passa a ser horizontal: existe uma tensão horizontal entre essas duas forças autónomas e profanas que são a natureza e o próprio homem. O Maharal estabelece uma comparação entre a condição do homem e a da árvore. Como a árvore, o homem está de pé, enraizado no húmus fecundante da terra, da gleba, da natureza física e é daí que retira a sua seiva, a sua vida, a sua substância. Tal como a árvore, o homem é é sobretudo um ser soberbamente físico, e a solidez e o desabrochar dessa parte física, irrompendo do ponto mais baixo das raízes para os cimos do tronco e dos ramos, condicionam e asseguram esse «mais» que constituem para a árvore os seus frutos e para o homem o seu espírito.
É impossível resumir a obra que o Maharal foi amadurecendo ao longo da sua vida e que começou a publicar tão tarde. Duas dezenas de títulos («Livro do Poder», «Livro da Glória de Israel», «Livro da Eternidade de Israel», «Luz Nova», «O Caminho da Vida», «As Vias Eternas», «O Poço do Exílio», etc.) que só foram realmente descobertos no século XX, graças a estudiosos como Jacob Gordin, André Neher ou Léon Askénazi e, mais recentemente, Benjamin Gross. Recomendo vivamente a leitura de «Le puits de l’exil – tradition et modernité: la pensée du Maharal de Prague», de André Neher (Cerf, 1991); «Le messianisme juif dans la pensée du Maharal de Prague», de Benjamin Gross (Albin Michel, 1994) e «Que la lumière soit – “Nér Mitsva” du Maharal de Prague», do mesmo autor (Albin Michel, 1995).
Claro que há ainda um outro aspecto a referir quando se fala do Maharal do Praga: a sua pretensa ligação com a lenda do Golem de Praga, o estranho ser que o rabi teria criado para defender a sua comunidade dos perigos que a ameaçavam. Hoje, essa lenda faz parte do folclore turístico obrigatório da cidade mas a verdade é que a lenda (tratada literariamente por autores como Gustave Meyrink, Isaac Bashevis Singer ou Eli Wiesel) só nasceu no século XIX, como explica Moshe Idel no seu monumental estudo «Le Golem» (Cerf, 1992).
Última nota: tanto Benjamin Gross como Moshe Idel participaram na conferência internacional, realizada este mês em Jerusalém, sobre os 400 anos da morte do Maharal. Durante a qual foi projectado o filme «Der Golem», realizado por Paul Wagner em 1920.

1 comentário:

  1. O que mais sabe-se sobre o Maharal(Moreinu Haran Loew)?
    Porventura você conheçe a história de seus descendentes? Se sim envie-me alguns comentários e informações.
    Meu e-mail é: marcosshabat@oi.com.br
    Desde já obrigado pela atenção e matéria.

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