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terça-feira, 14 de julho de 2009

NOS 70 ANOS DE PINHARANDA GOMES, 2

“A Filosofia na Floresta de Enganos[1]

Filosofia portuguesa é uma tradição actual de curiosidade que as imagens leonardinas definem. O que Álvaro Ribeiro, portuense emérito, e figura maior de asceta e de filósofo – ele corporiza a ascese filosófica na sequência de uma linha de vida que decorre de Amorim Viana a Leonardo Coimbra, via Sampaio Bruno – o que, dizíamos, Álvaro Ribeiro propôs não é mais, nem menos, do que esta simples regra: filosofia portuguesa é o acto de filosofar em português, com toda a carga de existenciais que o português transporta para o acto de filosofar. Como a ave, que tem asas, e voa e, não obstante, tem pés, e anda. Dir-se-á que tais predicados inerem a todo o filosofar, seja ele filosofar onde for. Irrecusável a premissa, ela permite uma audição: a universalidade do vinho não obsta ao próprio que é isso, e não aquilo – o vinho do Porto.
A filomatia, actual na periergia do filósofo, transcorre entre vários riscos, quais esses que significamos na imagem “floresta de enganos”. Apetente da verdade, inquirente do que é, e não deixa de ser, porque é, a filosofia aprende à sua custa. Sabe, mais depressa ou mais devagar, que terá de percorrer a floresta de enganos até ao fim, esse momento em que achará a bela adormecida, que despertará no calor do seu beijo. A filosofia beija a sabedoria e a sabedoria desperta. Tal como o criador beijou a matéria-prima e esta despertou nas formas criadas. Em todo o caso, já sabemos, e nem interessa repeti-lo, que é da filosofia o dever de atravessar, sem se enganar, a floresta de enganos. O que interessa sublinhar é outro fenómeno, cifrado este na imediata demissão da filosofia quando, sem querer ter iniciado um percurso, logo se abandona ao que, não sendo necessário engano é, todavia, factor de retardo, dificuldade na prossecução do itinerário da mente para a verdade. A crença, a ideologia, o economismo, podem dificultar o ascenso da filosofia. De um modo geral, a crença fixista, a ideologia militante, e o economismo absorvente, são estruturas de culturas grupais que, dentro deles, não permitem outra liberdade que não seja a da dissolvência na ética grupal. Os partidos políticos portugueses não são correntes de ideias. Na sua face evidenciada são correntes de interesses. Os partidos políticos portugueses, ainda quando substanciados numa delida estrutura ideológica, todos eles existem como vozes de grupos económicos. Consideram a questão de mandar (ter o poder à mão) e o dilema de ter (possuir as coisas). A ideologia e o economismo fecham as portas ao ser pensante, impotenciam a filosofia. A vida filosófica não floresce em tais estufas. A vida filosófica, respira espírito, pneuma, ar puro, o mais puro do vento. A poesia também sofre aí análogos tratos de polé. O economismo e o ideologismo recusam, já a filosofia, já a poesia. Quando seria chegado o tempo do “Supra-Camões” verificou-se um regresso da poesia portuguesa ao estado de impotência, pois desde Fernando Pessoa que a poesia portuguesa não voltou a dispor de análogo momento de aleteia poética. O oculto Camões, tal como o oculto Infante de Sagres, não têm cidadania. Ou talvez se achem em purgatório que é, por agora, e também, o lugar concedido aos heróis, aos homens honrados, e aos santos. As celebrações oficiais de algumas figuras da Pátria tresandam a hipocrisia. Algumas outras servirão para atribuir verbas do orçamento público às clientelas partidárias. O povo cala, mas a filosofia já aprendeu – pelo menos isso aprendeu – que o poder político põe e dispõe. O povo vota, o povo paga, o povo trabalha, o povo geme, o povo sofre, o povo paga de novo, quantas vezes forem precisas! Pagará funções cuja utilidade, ou ignora, ou não sabe justificar. Da sua utilidade económica, ética e social não há, porém, efectiva e convincente notícia. Em Portugal, a filosofia sufoca, tal como o povo. Em Portugal, os que podem sufocam os que sabem! A cracia é carcereiro da arquia. Muitos ambicionam a vida financeira, alguns cobiçam a vida política, raros desejam a vida filosófica. A crueldade do dizer é agora justa: a filosofia não tem lugar na polis.”
Pinharanda Gomes
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[1] «A Filosofia na Terra do Desterro», in Entre Filosofia e Teologia, Lisboa, Fundação Lusíada, 1992, pp. 181-182.

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