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domingo, 1 de maio de 2011

AS ESTRELAS DO FIRMAMENTO PORTUGUÊS














Ao Pedro Sinde, depois de o escutar, hoje em Sesimbra

Cynthia Guimarães Taveira

A diferença do nosso amor à sabedoria

Não há filosofia portuguesa porque aquilo que há não é uma disciplina. Há um amor à sabedoria, génese, de toda a filosofia.

Como não há filosofia portuguesa, nem tão pouco filosofia em Portugal, também não há mestres e alunos, nem mestres e discípulos. Há conversas e silêncios, cartas que se trocam, olhares que percorrem o horizonte e se fixam num ponto comum.

Há um passeio de almas dadas e memórias e vivências. E as almas assim dadas, dão passos novos e velhos todos os dias. Há um reencontro nas palavras escritas, um reconhecimento da verdade, acima dos mestres. E essa verdade só tem sentido com a liberdade.

No amor à sabedoria, em Portugal, dá-se o fenómeno raro da condução pelo destino. O destino aparece, bem vestido, fingindo que é o diabo, pega na mão do neófito e fá-lo caminhar pelo atalho dos acasos e pela estrada larga das coincidências. Muitas vezes morre, e assim se deseja, para voltar a nascer. Não progride na disciplina: morre e vive, alternadamente.

O atalho dos acasos condu-lo à presença de alguém, às vezes mais novo, às vezes da mesma idade, e esse alguém vai ser o companheiro das tertúlias que são sempre namoros à sabedoria.

A estrada larga das coincidências condu-lo ao propósito de um céu que sonha para que a obra se faça.

Não há filosofia portuguesa porque somos poetas. E somos poetas mesmo quando não escrevemos versos. Somos poetas no ser e no desejo. Um mundo é uma escrita que pede para ser rescrita com letras escolhidas pelo nosso coração, lugar de Deus, infinitamente sensível.

Na escrita do nosso amor à sabedoria há sempre um leitor, perdido na fiada do tempo, que no momento em que lê, grita no silêncio da sua noite tranquila: - É isto!

No nosso amor à sabedoria há tanta ciência como poesia, tanto engenho como arte. E o desejo é sempre o da sabedoria última e que esta viva em nós em cada gesto. A sabedoria que procuramos só tem sentido se for traduzida no gesto.

Não há filosofia em Portugal nem filosofia portuguesa. Mas há amigos que do fundo do coração, choram, honram e veneram os seus amigos, com quem passearam, com quem escutaram o pulsar da natureza e a melodia secreta que dela se escoa, ascendendo até ao espírito, ao Logos, ao eterno presente.

Há amigos que viram as mesmas estrelas e que partilharam a sua luz. Isso é afinal uma filosofia portuguesa, vivida e criada em Portugal. Há filosofia portuguesa e filosofia em Portugal. E basta haver uma lágrima por ela vertida para estar viva. E está viva. Que mais podemos desejar?

(Este texto situa-se entre a existência e a não existência de filosofia portuguesa, cabe ao leitor experimentar a profundidade da nossa filosofia: tão profunda que chega a fingir que não é, aquilo que deveras é…)

2 comentários:

  1. http://geometriadoabismo.blogspot.com/2011/05/filosofia-extravagante.html

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  2. Com medo de polémicas, publiquei ainda assim o texto. E, afinal, na nota que deixou no seu blogue "Geometria do Abismo", encontrei, na volta do boomerang, compreensão.
    Muito grata a JAB por ela,

    Cynthia Guimarães Taveira

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