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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 21

António Carlos Carvalho

Lendo as notícias preocupantes que nos têm chegado do Irão, veio-me à memória um episódio passado comigo e com iranianos há uns vinte anos, em Lisboa.
O embaixador iraniano em Lisboa resolveu oferecer um jantar a alguns jornalistas num dos hoteis então mais em voga.
Era um jantar para fazer passar a mensagem do seu governo e a ementa, requintada, falava por si: ainda me lembro dos enormes camarões apresentados numa espécie de grande taça esculpida no gelo e iluminada por dentro.
Tudo muito apetitoso, excepto num detalhe fundamental que acabámos por descobrir à nossa custa.
A coisa pedia um vinho, no mínimo uma cerveja estupidamente gelada. Fizemos o pedido aos empregados que nos serviam à mesa mas ficámos então a saber que o nosso anfitrião iraniano só nos dava a escolher entre água mineral e Coca-Cola...
Coca-Cola? Um dos símbolos daquela América que o Irão tanto abominava já nessa altura...?
Sim, senhor, Coca-Cola. Nada de vinhos, por ordem do anfitrião, representante encartado da teocracia republicana iraniana.
Eu e os outros jornalistas trocámos olhares de fúria contida e saímos dali o mais depressa que pudemos – em busca de uma cerveja bem ocidental e decadente.

Nessa altura, eu ainda tinha práticas religiosas severas, fazia jejuns severos regularmente – mas claro que nunca obriguei nenhum dos meus convidados a sujeitar-se a essas mesmas práticas.
Manda a hospitalidade, vinda de tempos anteriores ao Império Persa, que o anfitrião ofereça o melhor que tem aos seus visitantes, que pense neles e no seu bem-estar, no que mais lhes agradar. A eles, não ao anfitrião.
Desde então percebi que o Irão, ainda que sendo apagada sombra da grandeza do Império Persa – que mesmo assim caiu –, nunca vai desistir de tentar submeter-nos às suas regras. O Irão de hoje nunca esqueceu que outrora foi Império e essa marca imperial fá-lo sentir-se superior a todos, mesmo àqueles outros povos que partilham a sua religião.
Só na Europa é que essas coisas caem rapidamente no esquecimento.

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