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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

AO REDOR DO 31 DE JANEIRO, 5



“É que decididamente, havia então, há hoje só uma palavra: – República!
Hesita ainda, apesar de tudo, uma parte da nossa população letrada. E, inquieta, pergunta a si-mesmo o que seria, se em Portugal se implantasse a República.
Há pouco mo perguntaram, para que em público à pergunta respondesse.
Respondi começando por advertir que o pedido que me era feito me recordara certo incidente da história anedótica, literária e política, nossa contemporânea.
Com efeito, quando aqui há anos exerceu o seu efeito sobre a poesia portuguesa o simbolismo francês, uma das composições que apareceram e mais impressão causaram tinha o título fúnebre Quando a morte vier, e dizia os filosóficos desenganos das vaidades mundanais que no pó das sepulturas liquidam.
Logo nas colunas literárias duma folha política lisbonense se leu uma paródia a essa peça de versos, e esta paródia por título tinha: Quando a República vier, e dizia o descalabro dos egoísmos devoristas, que na igualdade democrática finalizam e concluem. Havia um ritornello típico. Era este:
Quando a República vier,
Ireis cavar pés de burro;
Ireis cavar pés de burro,
Quando a República vier.

E não teriam direito de queixumes aqueles que fossem dispensados por haverem gozado até ali do favoritismo que vive, parasitariamente, do trabalho nacional. Pois que só esses é que receio possam nutrir de que de os prejudique o advento da República. Visto como a República não é o governo dum partido nem o monopólio de tal ou tal casta de gente. A República é, pelo contrário, o governo de todos, por todos e para todos. A causa da República compreende todo o país e, no fim e ao cabo, a República é a Nação.
Se, pois, a República se implantasse em Portugal, o povo português adquiriria a consciência da soberania e ganharia as virtudes políticas que fundamentam a dignidade cívica. Ele tomar-se-ia a sério. Respeitar-se-ia, e o verdadeiro patriotismo faria pulsar os corações. Se a República se implantasse em Portugal, o progresso da civilização portuguesa seria ininterrupto e logo de início se assinalaria pelo timbre de grandíssimos avances efectuados. Se a República se implantasse em Portugal, o povo português viria novamente a contar na história do mundo, onde hoje, quando não é desprezado, passa despercebido.
Se a República se implantasse em Portugal, Portugal deixaria de ser aquele «sítio onde cinco milhões de egoísmos se exploram reciprocamente e se aborrecem em comum», consoante da definição pretérita de Eça de Queiroz. Portugal, porque reaparecesse um vínculo colectivo, voltaria a ser uma Pátria. E essa Pátria novamente se integraria na Civilização.
Consequentemente, ontem como hoje, hoje como ontem, ainda e sempre uma só palavra havia, uma só palavra há: - República!
FIM”
Sampaio Bruno, in A Dictadura, Lello & Irmão, 1909

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