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domingo, 30 de agosto de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 28

Madrid
Pedro Martins

Prestes a chegar a Madrid, detenho-me, por alguns minutos, numa estação de serviço nas cercanias de Móstoles, para desentorpecer o corpo moído pela viagem, cinco horas antes iniciada em Estremoz. Há dois anos, já aqui tinha parado para repousar. E, agora como então, compro o El País, para saber novas do lugar que me aguarda. Calha ser sábado e o periódico vem acompanhado do suplemento literário Babelia. A este, folheio-o rapidamente; e, na contracapa, deparo com um anúncio de página inteira, profusamente ilustrado, apregoando os dois últimos livros de José Saramago: A Viagem do Elefante, já em sétima edição por terras de Espanha, e O Caderno de Saramago. Noto que, graficamente, as capas de ambos os livros são tal e qual as das edições portuguesas. Continuo a percorrer o diário castelhano. Nova contracapa – desta feita a do primeiro caderno – aparece inteiramente preenchida com uma reportagem sobre Cristiano Ronaldo, por estes dias contratado pelo Real Madrid a troco de um estipêndio obsceno. Enfastiado, ponho o jornal de lado. Não voltarei a pegar-lhe. Sigo caminho.

Chegado ao centro da cidade, engano-me na direcção. O desvio leva-me para as bandas do Manzanares, riozito famélico. Logo corrigida a derrota, estaciono o carro no parque subterrâneo da Plaza de España e instalo-me na Gran Via. Saio à rua. Tal como a meteorologia havia previsto, não se pode dizer que esteja muito calor em Madrid. Subo a calle. Por alturas do Callao, entro na FNAC, vou ao andar dos livros e sou surpreendido com duas pilhas de exemplares de El Viaje Del Elefante, colocadas, lado a lado, em lugar estratégico. Numa, estão espécimes da terceira edição. Na outra, da sexta. Lembro-me então do anúncio no Babelia e recordo-me de, meses antes, alguém me ter dito que uma grande editora portuguesa estava a fazer sucessivas tiragens de um livro recém-publicado cujas vendas se revelavam um fiasco, só para criar a ilusão comercial de que o seu autor – uma celebridade nacional nossa – continuava a dar cartas. Saio da FNAC a somar dois mais dois e com El Golem, de Moshe Idel, no saco das compras.
Progrido na Gran Via. Alguns quarteirões adiante, surge a Casa del Libro. Vou directamente ao segundo piso, onde estão os ensaios. Há ali muito que ver. Folheando um tomo da Iconografia Del Arte Cristiano, de Louis Réau, colho, desapontado, alguns informes sobre o Pentecostes. Esperava mais. Mas sou compensado com a descoberta improvável de um livrinho de Martin Buber, intitulado Que Es El Hombre?, numa edição mexicana do Fondo de Cultura Económica. (No início de Julho, havia lido, com grande proveito, um outro opúsculo deste nobilíssimo filósofo hassídico: Le Chemin de L’Homme.) Não menos dignas de nota, dada a sua beleza, são as capas da colecção Sophia Perennis, de José J. de Olañeta, Editor. Uma honrada perdição. Eu que o diga. Entretanto, consigo satisfazer boa parte da encomendação que o Pedro Sinde me fizera. Mas Asín Palacios nem vê-lo. De regresso ao rés-do-chão, relanceio o olhar pelos escaparates da ficção. Horrorizado, descubro que as obras de Pessoa, Saramago, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto e demais autores lusitanos vertidos para o castelhano se encontram colocadas na secção de literatura hispano-americana, e não na de literatura estrangeira! (Escusado será dizer que a gerência do estabelecimento não considerou um terceiro termo.) Nesse instante, a imagem de Franco Nogueira perpassa-me, simpática, a memória saudosa. E saio.
Retrocedo na Gran Via e desço a Calle de los Preciados a matutar no enigma de haver tão poucas livrarias no centro de Madrid. Com a Puerta del Sol em obras (se bem me lembro, já assim a encontrara em Agosto de 2007), derivo para a Calle del Arenal. Topo com novo estaleiro, desta vez junto ao edifício insípido do Teatro de la Opera. Entro no metropolitano. Nos cais das estações, um cartaz publicitário exibindo Cristiano Ronaldo efusivo e em tronco nu repete-se ad nauseam. Lembro-me então de que amanhã será dia de ir ao Prado e ao Retiro e suspiro de alívio…

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