(continuação do 3.º capítulo)
Se a voracidade imagética actual praticamente sufoca a imaginação criadora dos poetas e, em muito debilita a imaginação animada do que resta dos mestres do romance, alimenta, ao invés, a pulverização em fantasia sensitiva que o consumismo global trouxe. É difícil que venhamos a ter mais ícones nas artes plásticas como o foram os casos últimos de Picasso ou Dali. Guernica, no dealbar da 2ª Guerra Mundial, é hoje uma obra iconográfica impossível no movimento do escol cultural ou intelectual, como antes haviam sido Goya ou Leonardo Da Vinci. Já ninguém é capaz de brigar em Florença pelo David de Miguel Ângelo ou andar à pateada e aos gritos em Veneza por causa das óperas de Verdi. Só nos restam hooligans em hordas que a TV fabrica e vomita, agora que fizemos globalmente do globo terrestre um emblema ao nível do pontapé. A fantasia, que tem tanto de iníquo como pouco de inócuo, nasce do fascínio sensitivo pela “arte” publicitária, pelos painéis a cintilarem néon, pelo comércio de hipermercados que tudo vende, dos legumes aos preservativos, da cultura à religião new age. É por isso que a fantasia vai sendo grátis, enquanto a imaginação mesmo à venda, não há quem a possa comprar. Desde os anos ’50 que assim é quase em exclusivo, mal a América depôs na prateleira da História essa Europa de alguma imaginação animada, a que ainda sobrava da rive gauche parisiense. De lá para cá desde há muito que entrámos, através das séries serigráficas de Andy Warhol, no mundo consumista da repetição artística, mecânica e mental e, pior ainda, na clonagem sentimental maciça. Escasseiam as almas para a obra-prima, rareia a vida como fruição única.
Seria possível e significativo perceber tudo isto bastando recorrer a símbolos publicitários, vê-los como catalisadores quase exclusivos da imaginação ocidental nos últimos sessenta anos, logo após a 2ª Guerra Mundial. “Adeus” artes plásticas, mesmo a arquitectura ou a poesia, por elas nada passou de essencial de molde a insuflar imaginação à escala global, como era antes realizado pela arte religiosa erudita, pela arte popular também. Tudo o que vemos é “arte” via TV, a pop em massa da populaça sem povo, agora com a Internet associada. As próprias expressões artísticas ao vivo estão muitas vezes contaminadas pela forma televisiva e aqui bate o ponto. O real é a realidade da TV. Daria esse estudo um outro texto mais expositivo para cobrir o percurso de iconolatria comercial dos anos ’50, desde o optimismo meloso, encorpado na boa voz de Frank Sinatra, à adolescência mimada e quase fútil de Marilyn Monroe; ou da década de 60, em seu delírio hippie ainda que sério e radical, contudo facilmente deglutido em sua ingenuidade juvenil posta a render no mercado de acções; ou dos anos ’70 de gente jovem, quase trintona, tão amargurada em rispidez musical metalizada, tão fruste em seu anarquismo bombista, tão anestesiada na ressaca revolucionária dos Amigos de Alex. Enfim, poderíamos assinalar emblematicamente para cada uma das três décadas, não uma obra-prima artística relevante, antes qualquer logótipo significativo extraído das parangonas publicitárias.
Por exemplo, nos últimos trinta anos, há mesmo três imagens de marca que são três metáforas estéticas na catalisação imaginária global, cada uma delas mais poderosa que qualquer expressão ou obra artística. Referimo-nos concretamente à Coca-Cola como emblema nevrálgico para os anos ’80, à Benetton para a década de 90 e ao C.S.I. para a actualidade, desde 2000. As três significam em si mesmas, ícones de um determinado estilo de vida, atitudes comportamentais, três indicadores do vazio que enche a humanidade.
(continua)
PRODUTO DE CONSUMO
ResponderEliminarSou um produto de consumo, avaliado em metros cúbicos de cêntimos furados. Sou vendido nos ecrãs das modelagens artificiais e artísticas. Sou a pronúncia da qualidade que se analisa e qualifica consoante os fóruns que conseguir lotar. Só tenho a liberdade de ser quem sou, segundo os parâmetros traçados pelos delicados rituais da publicidade projectada com o último grito da tecnologia de ponta. Sou vendido nos extensos palcos da teatralização maquinal, onde o mundo é uma bola de futebol ao alcance de qualquer baliza. Se escrevo pontualmente, logo há os vigilantes que me limitam a liberdade das vírgulas e impõem os condicionalismos próprios das sílabas que não soam bem aos ouvidos, cujas sensibilidades parasitárias são anúncios de prática corrente. A Arte do consumo é o consumo da Arte que se vende em pacotes de verbos alucinados, em plateias de grandes retóricas e de escassas ideias, cujas originalidades são elevadas à máxima potência dos foguetórios caseiros. Eu sou consumido pelo consumo de quem me consome o grafismo e a sedução do meu perfeccionismo entre a massa domesticada que mastiga a massa anónima, vagueando pelos centros da moda, que é a moda de quem não sabe que é moda. A voracidade do consumo é o padrão da estética e a arquitectura económica é a paisagem original da ciência que nos regula a cultura da aculturação, vestindo-nos as oratórias com as passerelles do fundamentalismo crioulo de que ninguém abdica em nome do sagrado hábito de se consumir o que só se cria como actos de consumo. Como produto de consumo que sou, herdo as prateleiras da fantasia onde o preservativo é o modelo da revolução que se constrói nas fábricas dos autómatos que transformam o consumo, no sonho sexual da paralisia nocturna. Os ecrãs onde germinam os livros, os filmes, as pinturas, as esculturas e a música são injecções em doses maciças de minimalismo consumista, mas juro que é um chip que nos processa a mentalidade com a Arte da diagonal. Eu como produto de consumo sou uma diagonal que se traça à mascarada do Futuro.
Jorge Brasil Mesquita