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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

POSTAIS DA ARRÁBIDA, 1


Presunção e água benta…

Pedro Martins

Há uns meses, disse a alguém – creio que ao António Carlos Carvalho – que não se me dava em fazer uma aposta: o anunciado Dicionário de Luís de Camões seria olímpico na desconsideração de António Telmo. À imagem do que sucedera com o Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português.

Fiz mal em não apostar. Saído a lume no final do ano que passou, o Dicionário não dedica ao filósofo uma só linha das muitas entradas que o compõem. Vítor Aguiar e Silva, que coordenou o pesado volume, comete assim, em última análise, a proeza de ignorar o mais lúcido, audaz e original hermeneuta do príncipe dos poetas portugueses, a quem Telmo, desde a História Secreta de Portugal, consagrou uma parte importante do seu labor especulativo.

Como não é de crer que um tão eminente camonólogo, académico informado e atento, possa desconhecer títulos fundamentais do pensamento filosófico português (e – note-se –da bibliografia passiva camonina) como o Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões, Filosofia e Kabbalah, Congeminações de um Neopitagórico ou A Aventura Maçónica – Viagens À Volta de um Tapete, Seguido de: Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões: Onde se revelam alguns segredos guardados n'Os Lusíadas, obra já póstuma, sou forçado a concluir que Aguiar e Silva fez vista grossa a algo que aborrece, não compreende ou simplesmente rejeita. Não por acaso, Sampaio Bruno e Agostinho da Silva, que com Telmo quase definem uma linhagem espiritual e uma tradição interpretativa, são também postos de lado, e Fiama Hasse Pais Brandão, que nos desvelou o cabalismo do Camões cripto-judaico, mal é referida, nos cerca de duzentos artigos do Dicionário.

Certo que Aguiar e Silva não era obrigado a apreciar ou a entender tudo quanto de relevante respeitasse ao poeta. Mas não lhe podia ignorar a existência, devendo dá-lo de empreitada a quem, de alguma sorte, pudesse suprir a sua própria incapacidade. Ou será que as sucessivas, espantosas demonstrações operadas no Desembarque, ou as perplexidades e hipóteses inscritas e anotadas na Autobiografia e Sobrenatural, não são, de todo, importantes, e, por isso, credoras de um módico de atenção dos camonologistas?

Não creio, claro está, que Aguiar e Silva houvesse, para o efeito, de recorrer ao auxílio prestimoso de um seu homólogo tão avisado como António Cândido Franco, universitário arguto, sumamente sensível à subtil insinuação da anagogia, e que, num estudo publicado no terceiro volume dos Cadernos de Filosofia Extravagante, justamente põe a nu a debilidade interpretativa de que enferma o camonismo do professor de Coimbra.

Mas semelhante imperativo deveria sempre ser cumprido, posto que o fosse com o propósito antipático, e que se me antolha baldado, de refutar a poderosa leitura télmica de Luís de Camões. Só assim não seria enganosa a publicidade da Editorial Caminho, que, a propósito, nos promete “um vasto e rico The­saurus da camonís­tica con­tem­porânea”, cujos arti­gos, “da auto­ria dos mais rep­uta­dos camonistas nacionais e estrangeiros, pro­por­cionam ao leitor uma infor­mação abun­dante, rigorosa e atu­al­izada sobre a biografia, a obra lírica, épica, dra­matúr­gica e epis­to­lar de Camões, sobre a sua con­tex­tu­al­iza­ção histórico-literária, sobre os seus prob­le­mas filológi­cos, sobre a influên­cia e a crítica camo­ni­anas nos diver­sos perío­dos da lit­er­atura por­tuguesa e, numa per­spetiva com­para­tista, sobre a receção de Camões nas prin­ci­pais lit­er­at­uras mundi­ais, desde a espan­hola à brasileira e à norte-americana”.

Presunção e água-benta…

4 comentários:

  1. Partilhei em http://arvoredejesse.blogspot.com

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  2. Acho o seu texto muito bem fundamentado. A ignorância, para não dizer a rasura ou a censura, nos meios académicos, dos escritos de António Telmo são um verdadeiro atentado à cultura portuguesa.

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  3. Realmente o assunto dos universitários é complexo. Torga dizia que alguns deles quando apanham um escritor/poeta que lhes dê jeito, estraçalham-no. Se assim é, o contrário também vale. Alguns silenciam-no, ou melhor, passam por eles sem os ver, ou sem os querer ver.
    Mas o assunto, infelizmente, já é antigo. Vejamos o que nos diz quem não aguentou mais e teve que ir até Paris



    António Nobre (Carta a Manoel)
    (...)
    «Hoje, mais nada tenho que esta
    Vida claustral, bacharelatica, funesta,
    N'uma cidade assim, cheirando, essa indecente!
    Por toda a parte, desde a Alta á Baixa, a lente!
    Bem me dizias tu, como que adivinhando
    O que isto para mim seria, Amigo, quando
    O anno passado, vim contra tua vontade
    Matricular-me, ahi, n'essa Universidade:
    «Anto não vás...» dizias tu. Eu, fraco, vim.
    Mas certamente, é natural, não chego ao fim.
    Ah quanto fôra bem melhor a formatura,
    Na Escola-Livre da Natureza, Mãe pura!»

    Abraço do Eduardo Aroso

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  4. PEDRO MARTINS O MUNDO NÃO GIRA SÓ À VOLTA DE TI E DO TEU GRUPO DE PSEUDOS FILOSOFOS ,AINDA NÃO ENTENDI ESSA VOSSA PRESUNÇAO AO VOSSO IDEAL

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