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terça-feira, 5 de maio de 2009

PENSANDO À BOLINA, 3

Pedro Sinde



Sinais da natureza: o trevo e a estrela
O trevo é uma expressão natural do número três. Como as suas três folhas estão unidas no centro, ele manifesta a unidade na trindade. É curioso, no entanto, que o povo entenda que o trevo se realiza plenamente apenas no número quatro. Um trevo de quatro folhas é uma anomalia, é uma excepção; mas é nessa excepção que o povo cristaliza a ideia de boa sorte. Esconde-se aqui a ideia de que fora da norma, do normal, é que há-de estar o excepcional; aí é que o sobrenatural se revela plenamente. O trevo, de algum modo, realiza-se no número quatro, mas isto não significa que todos os trevos deviam ter quatro folhas, pois isso faria deles outra coisa que não um trevo. O que me parece que está aqui significado é que um trevo de quatro folhas é, para o mundo dos trevos, o que um santo é para o mundo dos homens. Nem todos os homens se tornam santos, mas todos têm o sinal da santidade para que tendem.
A ideia de que dá boa sorte encontrar casualmente um trevo de quatro folhas revela a crença de que esse trevo é dotado de um poder especial, poder esse que, ao aparecer a uma determinada pessoa, assinala ou revela esse mesmo poder nela.

É curioso o simbolismo da estrela cadente, pois uma estrela que cai pareceria poder exprimir um sinal nefasto. O povo, porém, atribui a essa queda a ideia de descida; uma estrela cadente é, pois, uma luz celeste que desce à terra. Quem a vê deve formular um desejo; essa descida é um sinal de que a pessoa que a viu participa da luz que desceu.

Num e noutro caso trata-se sempre de, sem procurar, encontrar. Todavia, não procurar não é sinónimo de estar desatento. Uma pessoa desatenta passaria pelo trevo sem o ver, ainda que ele estivesse, isolado, à frente dos seus olhos. Trata-se de uma atenção livre, disponível para o mundo, mas sem avidez. Quem tem o hábito de circular por livrarias ou bibliotecas sabe que é com essa disposição da alma que se encontra, inesperadamente, o livro que se procurava, sem saber que se procurava. É, em suma, a mesma atitude que devemos ter a cada dia: estar livremente atentos, para ver o que vem; no horizonte de cada dia qualquer coisa pode acontecer: a morte, a iluminação ou até ambas.
Para encontrarmos o trevo de quatro folhas é preciso olhar a terra; para ver a estrela cadente é preciso contemplar o céu. O homem da cidade só vê, quando repara neles, o betão no chão e as luzes das ruas a encobrir o céu. Não deve ser por acaso que no Corão se diz que, no fim dos tempos, nem uma cidade ficará de pé.
texto originalmente publicado no blogue Maranos

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