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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Anotações Pessoais, 54

 
Por António Carlos Carvalho

Fernando Pessoa fez questão de pôr à venda a sua «Mensagem» no dia 1 de Dezembro de 1934. Era um gesto simbólico, para salientar o seu desejo de que Portugal retomasse novamente o seu destino nas mãos. Era, naturalmente, o reconhecimento, óbvio para Pessoa e para os seus contemporâneos, da importância da data: a Restauração da Independência do País, em 1640.

Mais tarde, nos meus tempos de criança, o Hino da Restauração ainda era ensinado nas escolas. «Portugueses celebremos / O dia da Redenção…» Pelo menos, havia isso.

Mas agora é tudo diferente, pelos vistos: «Restauração», nesta Novilíngua que se impôs, diz só respeito aos restaurantes, pastelarias e ofícios correlativos… de onde devemos deduzir que os verdadeiros Restauradores são os «chefs» de cozinha que fazem aqueles pratos insípidos mas muito decorativos -- e não os que estão representados no monumento erguido na Praça dos Restauradores ou na sala das batalhas do Palácio Fronteira, aqui em Lisboa. Proponho, aliás, por uma questão de coerência, que se substituam as armaduras por aventais e lenços ao pescoço…

E até parece que o feriado de 1 de Dezembro está condenado a desaparecer, por vontade da nova deusa Austeridade. O que também não tem importância nenhuma, vendo bem as coisas, porque um feriado é hoje apenas um dia de descanso, um simples pretexto para não fazer nada, e não mais um dia comemorativo, vivido no seu significado verdadeiro.

Aliás, que «independência» é que temos hoje, enquanto país ou enquanto cidadãos ou até mesmo enquanto seres humanos? Não será a dependência a regra única deste jogo em que se tornou a História?

«Mensagem» não perdeu nada do seu apelo, digam o que disserem os «pessoanos» incomodados com este livro que consideram «menor» na obra do poeta.

Nós é que podemos não ser dignos desse apelo ao despertar -- perdidos, como estamos, em «restaurar» forças sentados à mesa, neste «fulgor baço da terra / que é Portugal a entristecer.»

«Ninguém conhece que alma tem».

3 comentários:

  1. Obrigado António Carlos Carvalho pelo seu oportuno texto. Como diz, e bem, hoje a restauração é apenas de estômagos (às vezes de móveis) e nem para todos há possibilidades.
    Parece-me que, na situação em que Portugal se encontra, só Deus pode restaurar o que é importante.

    Eduardo Aroso

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  2. Pelo que diz, o livro Mensagem faz hoje 77 anos.
    Quero ainda dizer da belíssima imagem que a Cynthia colocou neste texto: cheia de poesia e verdade.

    Eduardo Aroso

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  3. Este "Nevoeiro" tema em permanecer... belíssimo texto (aliás, outra coisa não seria de esperar!).

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