
Educação Moderna
Cynthia Guimarães Taveira
- Pai, onde vamos?
- Vamos ao Museu de Arte Antiga.
Pai e filho caminhavam de mãos dadas naquele Domingo de Sol. Havia um encanto especial na forma como a luz incidia sobre a cidade que parecia deserta.
- Não é bonito, filho, a maneira como o sol bate nas folhas das árvores? Repara, parece que mudam de cor, ficam mais brilhantes, mais vivas do que em dias cinzentos..
- Pai, é como se o sol pintasse as árvores outra vez, não é?
- Agora disseste uma grande verdade, é isso mesmo.
- Pai, o que é que vamos ver?
- Vou mostrar-te como é que pessoas que já morreram há muito tempo pintavam. Vamos ver quadros bonitos.
Subiram as escadas do velho palacete que albergava as obras primas, e, encantado, o menino descobria um mundo passado de telas, óleos. Nessa manhã, descobriu a pintura e os seus efeitos e questionava tudo: quem eram as pessoas que estavam dentro dos quadros, se já tinham morrido. Como é que se pintava antigamente e quais o materiais? O pai, deliciado com o interesse do filho, desdobrava-se em explicações, ele próprio descobria novos ângulos, novos pormenores nas salas que se desdobravam, quentes e acolhedoras.
Pararam em frente aos Painéis e o pai explicou-lhe a importância do quadro e a forma como este representava os portugueses, chamando-lhe a atenção para os detalhes, o cuidado com que havia sido pintado.
- Pai, tens uma caneta?
- Para que é que queres a caneta?
- Para fazer bigodes neles todos.
O pai, deveras espantado com a ousadia do filho, decidiu então sentá-lo em frente ao quadro e explicou-lhe:
- Filho, não podes fazer bigodes no quadro porque ainda és uma criança. As crianças estão no tempo de serem educadas.
- Que é ser educado, pai?
- É sobretudo saber olhar e saber estar com tranquilidade. É saber apreciar o melhor que o mundo tem, é admirar a beleza das coisas: de uma pintura, de uma árvore. É saber sorrir e estar bem, é tratar os outros com cuidado para que não se magoem, é tentar fazer coisas bonitas como os desenhos que fazes lá em casa, é tornar o mundo ainda melhor, mais alegre, mais feliz. Isso é ser educado e tu estás nesse tempo.
- Então se fizer bigodes estou a estragar o quadro, não é?
- De maneira nenhuma, quando puderes fazer bigodes é porque já és grande e responsável, já sabes aquilo que fazes, já não tens de ser educado.
- Então quer dizer que estou preso enquanto for criança?
- Sim, meu filho, só quando fores adulto é que vais descobrir as maravilhas da “liberdade de expressão” e nessa altura vais poder fazer tudo o que quiseres aos quadros: pintá-los por cima, pisá-los, até podes escrever asneiras em cima deles que não faz mal. Também podes pintar os prédios com riscos para toda a gente ver.
O filho ficou calado durante uns momentos, contemplando os Painéis.
- Pai.
- Diz filho.
- Este quadro é bonito?
- Agora, na tua idade, é bonito; quando fores mais velho, não sei. Depois decides quando fores livre.
- Pai.
- Diz, filho.
- A liberdade é bonita?
- A liberdade é a coisa mais bonita que há no mundo.
- Mais bonita que este quadro?
- Mais bonita que este quadro, por isso é que o podes pintar por cima quando fores grande.
- Obrigado, pai, por me teres trazido aqui. Fiquei a saber que a liberdade é a coisa mais bonita do mundo e que um dia vou ser livre.
E abraçou o seu pescoço, dando-lhe o beijo que justifica só por si o facto de ter filhos.
A arte (em itálico) contemporânea revela alguns problemas. É mais teoria do que manufactura, é mais choque do que resposta, é mais negócio do que arte. Todos querem ascender, mas para isso, é necessário insultar sensibilidades. Estes casos não se prendem com liberdade de expressão, ligam-se sim a técnicas comerciais agressivas que são punidas judicialmente.
ResponderEliminarLeiam algumas obras relacionadas com o estranho mundo da arte contemporânea, envolvendo os negociantes de arte mais conceituados do mundo, as casas leiloeiras, os fabricantes de produtos aos quais se põe indiscriminadamente o rótulo de arte, e ficarão a compreender todo o mecanismo estranho que envolve este mundo. A arte desapareceu, foi substituída por produtos ôcos que a evocam.
Mais nefasto é a educação dada hoje aos estudantes. A sensibilidade educa-se; vai para onde a conduzirmos. Mas há os paradoxos da vida, e apesar deste frenesim por certos tipos de "vanguardismos" , embora eles existam (raramente), há um número razoável de pessoas que contempla arte clássica com uma certa nostalgia, que eu denomino de auto-terapia. Perante tanta desarmonia, falta de rigor, do melhor sentido estético, ausência total de Simbolismo, na maioria da arte contemporânea – ainda que possa ter, nalguns casos, certa imaginação, muitas vezes tresmalhada - o amante da beleza compraz-se na arte onde o equilíbrio existe. Ora se se procura, quase sempre inconscientemente, essa arte, é porque se está doente. É uma enfermidade que existe num mundo de possibilidades mas sem possibilidade de nos redimir pela beleza que o materialismo tem afastado lentamente.
ResponderEliminarQue estranho fenómeno é o daqueles que, depois de um dia extenuante de trabalho, na sua maioria não sabendo música, mesmo sem educação musical auditiva, ouvem música de Bach, Vivaldi ou Mozart?
Eduardo Aroso
(Continuando o comentário)
ResponderEliminarDisse atrás «Ora se se procura, quase sempre inconscientemente, essa arte, é porque se está doente».
Entenda-se que nem todos o fazem por necessidades terapêuticas imediatas!
Pelo contrário, os outros, por convicção e aguçada sensibilidade, estão mais saudáveis que nunca!!!
Eduardo Aroso