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quinta-feira, 28 de maio de 2009

A IDEIA DE PÁTRIA NO «57», 5

Pedro Martins




Pátria, razão e movimento
Relembremos a definição proposta pelo Manifesto. Nele se diz que uma pátria é “uma razão viva a mover-se para um fim, e não um aglomerado de interesses egoístas.”
Ao consignar, em Agosto de 1957, que a Pátria é uma razão, no mesmo lance em que nela divisa um espírito, uma alma e um corpo, o autor do Manifesto (presumivelmente António Quadros) sugere-nos uma aproximação terminológica à obra-prima de Álvaro Ribeiro, A Razão Animada, livro que viera a lume alguns meses antes. Deste modo, o 57 coloca a ideia de Pátria em franca analogia com o conceito de homem (já se viu que assim é), e, nessa medida, apresenta-a como um corpo com alma espiritual, para aqui se empregar a justa expressão de Pinharanda Gomes.
Enquanto razão, a Pátria é uma entidade espiritual. Razão é também razão de ser, ratio essendi – aquilo que dá o ser a um país; que o define, individualiza e identifica; e que, desse modo, confere sentido à acção do seu povo, tão certo ser a Pátria, na definição proposta, uma razão viva, uma razão que se move.
A Pátria move-se, no tempo, pela nação, que, sendo alma, é princípio de movimento. Manifesta-se a Pátria através daqueles que, nascendo (e morrendo), vão sendo a nação. Por isso, para o Manifesto, a Pátria é também “a longa fila de homens que vem do fundo dos séculos e vai para o fim dos séculos, onde já não haverá então pátrias porque os homens terão subido mais um degrau.” Eis a Pátria: os antepassados, os egrégios avós, os pais.
Sem pretender ser exaustivo, o Manifesto identifica quatro formas de manifestação da Pátria, que constituem uma gradação ascendente de manifesta inspiração alvarina. São elas a língua, a tradição, a escala de valores e a filosofia.
No seu livro sobre A Filosofia Política de Álvaro Ribeiro, Elísio Gala enuncia uma outra classificação dos “modos de expressão, existência e perduração” da Pátria. São eles:
– a língua – onde se manifestam os modos de conceber e pensar;
– a arte – onde se manifestam os modos de imaginar e sentir;
– e a história – onde se manifestam os modos de agir e viver.
E é por eles, diz o autor, que se acerta a relação da cultura com o culto. É que a ideia de Pátria está relacionada com a ideia de Deus. A Pátria é uma entidade intermediária e mediadora. Como tudo mais, depende de Deus; mas está acima dos homens, que, enquanto nação, lhe ficam vinculados pelas formas espirituais assinaladas. Dessa adstrição retiram, de resto, o sentido comum da sua acção. Assim se compreende que, n’O Brasil Mental, Sampaio Bruno afirme ser a Pátria “um princípio de solidariedade colectiva”.
Razão viva, a Pátria move-se, na história, para um fim: a redenção da humanidade. Não foi outro o corolário extraído da síntese com que o 57 rematou o enunciado do teorema relativo à Filosofia da História. Mais do que um telos, o movimento redentor persegue um escathon, um fim sagrado: redimir o homem, ente decaído, é realizá-lo na sua humanidade, cumpri-lo na sua enteléquia, religá-lo ao seu princípio, pela plena libertação espiritual, ao cabo da evolução cíclica. Assim se compreende que, n’O Brasil Mental, Sampaio Bruno afirme ser a Pátria “uma religião”.
Mediadora do humano e do divino, a Pátria é via. Por ela terá de passar quem quiser chegar a Deus. Não é outra a doutrina de um Pascoaes, n’A Arte de Ser Português. Mas já n’O Encoberto nos ensinara Sampaio Bruno que, na perpétua senda da luz, todas as pátrias são chamadas a dar o seu contributo redentor. Concertadas em harmónica colaboração, cada qual preserva, porém, a sua específica singularidade espiritual. Assim se compreende o propósito brunino da Unidade na Liberdade.
No derradeiro capítulo d’O Brasil Mental, o mesmo Sampaio Bruno, evocando a noite do malogrado golpe de 31 de Janeiro de 1891, diz-nos, em dado momento, que “o anjo-da-guarda da pátria, soluçando, escondeu o rosto, na dor, desesperada e alucinante, da derrota”. Quem puder pensar que se trata aqui de mera imagem literária, melhor fará em ponderar as sequentes laudas angelógicas d’A Ideia de Deus.
A cada povo é proposto um ideal diferente de realização da humanidade, escreveu Álvaro Ribeiro. Podendo ser inscrita no ideário brunino, a afirmação do filósofo portuense lembra, de modo irresistível, os conhecidos versos de Fernando Pessoa: As nações todas são mistérios / Cada uma é todo o mundo a sós, que encabeçam o poema “D. Tareja”, da Mensagem. Ciente de que anjo, pela etimologia, significa mensageiro, o leitor atento poderá, por certo, deduzir o que aqui ficou por dizer.

1 comentário:

  1. Devemos agradecer a Pedro Martins por nos lembrar, no meio deste nevoeiro cada vez mais cerrado, o que é isto de sermos uma pátria. Mesmo que soem no deserto, são vozes como esta que acabam por lembrar o essencial. Basta que alguns, os que têm ouvidos e ouvem, as escutem. Isto nunca mudou com maiorias.

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