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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 97


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Crónica sétima da beira-mar
Eduardo Aroso

Na curva da estrada, quase sobre o que resta da muralha de Buarcos, junto à Capela da Senhora da Arribança, aí é que eles se sentam. Não querem a esplanada do café que fica a uma dúzia de metros. De um lado ou do outro, avista-se toda a extensa orla marítima, quase enseada, que vai até à Figueira da Foz. Nas pedras gastas, os pescadores ou o que resta deles naquelas figuras tisnadas de sol e maresia, sentam-se sem horário, mas quem estiver com atenção percebe que eles aparecem mais àquela hora em que as traineiras chegavam ao fim da tarde, rodeadas de círculos de gaivotas; bom augúrio!
Num dia destes, andando eu por ali, estava longe de assistir a uma tertúlia de numerologia, certamente sem intenção dos intervenientes. Era domingo; ouviu-se o sino da igreja de S. Pedro, que também não dista muito da muralha. Diz um dos pescadores:
- Nossa Senhora da Arribança me perdoe, mas da Santíssima Trindade nunca entendi nada!
- Isso só bispos é que desenredam - atalhou um outro.
- Será? Sabes companheiro, sempre ouvimos dizer que «três é conta que Deus fez».
- Pois sim; e quatro é a nossa cruz. A minha bem a sei. E também se não fossem os quatro pontos cardiais, a gente desnorteva no mar, no tempo em que não havia aparelhos...
Naquele grupo havia um pescador que pouco dizia. Era conhecido pelo «Água Morna», tal era a lentidão do seu falar e de todos os movimentos. O certo é que o homem quando se saía com alguma, logo se calavam os outros.
- Vocês não começaram do princípio: do um e do dois. Olhem que o problema do homem e da mulher (o dois) é que é o mais complicado; cá neste mundo, digo eu. Vejam as desgraças que andam por aí! Bom, mas indo pró mar, como é que a gente pode remar? Vá respondam-me!
- Ora como é que há-de ser! Com os dois braços, a estibordo e a bombordo.
- Mas assim é andar sempre cá e lá. E há gente que não passa disto.
- Vamos do dois para o três. O que eu quero dizer é que não basta remar à direita e à esquerda; é preciso remar para cima…

Setembro de 2010

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