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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

EXTRAVAGÂNCIAS, 120


Cynthia Guimarães Taveira

AS ÁGUIAS E OS ABUTRES

A sala estava apinhada. Interesse imenso por parte do auditório. As intervenções sucederam-se. Todos os intervenientes puseram parte de si no que diziam, tal como António Telmo gostava. João Cruz Alves trouxe-nos um vídeo de uma intervenção de António Telmo. A sala estava silenciosa, sorvendo as palavras daquele que nunca quis ser mestre de ninguém mas que encantava todos os que dele se aproximavam e que, de alguma maneira, aprendiam com ele. Foi alegre e triste vê-lo assim de novo. A saudade invadiu a sala.
As conferências acabaram por ser uma pouco à imagem e semelhança de António Telmo: vivas, questionadoras, inteligentes, pouco sistemáticas, críticas, humorísticas, mas sobretudo com aquele calor que não se explica de onde vem. Num dia frio de Inverno, sentiu-se ali o calor do Verão.
Um ou dois abutres pairaram no ar, como dois pesadelos, no meio das águias. Os pesadelos também pertencem ao mundo da alma. O primeiro, vindo do espaço sideral, questionou a portugalidade, dizendo em alto e bom som que esta impedia a espiritualidade. Seu nome, Paulo Borges. Uma onda de rebeldia invadiu a sala: por vezes é a própria portugalidade que nos mostra o caminho da espiritualidade. Ouvia-se a resposta resistente num burburinho.
O outro, mais parecido com uma serpente vinda dos Infernos, convidava a uma autópsia (mau gosto escolhido nas palavras) à obra de António Telmo. E convidava os jovens a descobrirem um sistema na obra de António Telmo. Seu nome, Pinharanda Gomes.
Logo as águias piaram e comentaram: não há sistema, não haverá nem nunca houve. Mas nem por isso deixa de haver amor à sabedoria, caminhos a descobrir. Não há sistema, não haverá nem nunca houve. Há paixão e pensamento. E os jovens riram-se do perigo dos sistemas. E foram-se embora mais leves, lendo livremente António Telmo, descobrindo-o no seu caminho. Foram-se embora lendo livremente e sendo livres.
António Telmo teria dado uma gargalhada, se é que não deu, lá do alto: O amor tudo vence, diria, e o coração de Portugal ainda pulsa secretamente, no meio da confusão do mundo: não no centro do mundo, mas no centro da Ideia.

Cynthia Guimarães Taveira

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