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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

NO CORAÇÃO DA ARTE, 27

Cynthia Guimarães Taveira





O Centro
Aliciaram um dia Rubens para que trocasse tintas e telas por cadinhos e fogos alquímicos. Rubens respondeu que toda a sua alquimia estava na pintura. Pegou no pincel e continuou a pintar, sereno. O centro do alquimista e do pintor é o mesmo. Confunde-se a preparação das tintas com esses enxofres e mercúrios. Confundem-se os vasos e as telas, confunde-se o fogo presente num corpo rosado, com esse outro abrasando o forno. É o mesmo fogo aquele com que se nasce, feito de saltos de fé, feito de visões, de associações e dissociações. Mas, mesmo no seu centro, reside essa vontade, não de imortalidade, mas de esperança. Conhecer no intimo a matéria da alma, revela-la camada por camada, descrevê-la em experiências de cor, atravessar a escuridão num voo, estar perto das raízes da árvore, tocar as suas pontas e, aí, nessa precisão sensível, ver a luz do espírito, conhecê-la, morrer no abandono, ser ela, e, no fim, explodir em luz para o mundo e salvá-lo daquilo para que não foi feito.

1 comentário:

  1. O CENTRO DE UM OUTRO RUBENS

    Rubens, o Renascimento, o Maneirismo, o Barroco e os retratos. Quantos Rubens haverá, em cada um de nós, quando nos auto-retratamos nos espelhos das visões, com pincéis que alinham com as suas cores, os desejos íntimos que acendem nos fornos dos seus caminhos, o fogo que seja a luz que lhes ilumine as pinturas de um fado que não é feito, nem de alquimias, nem de esperanças, nem de imortalidades? Um Rubens actual faria um retrato de extravagâncias e de ossos ensopados com as veias negras da solidão de uma árvore, ressequida pela velhice jovem dos que nada são, em matérias de luz. Rubens, talvez gostasse de ser o pincel do renascimento das belezas que a natureza vai desfiando em doses cinzentas que um moribundo de aspecto desprezível vai retratando à eternidade sensível, a insensibilidade de um centro que irradia a escuridão da luz futura que, trémula, se vai extinguindo perante o pincel estupefacto de um qualquer Rubens que, sem cores, é a expressão do abandono e do cansaço, na noite de todas as noites. Eu que nunca fui, nem nunca serei Rubens, tento ser o retrato do que não se retrata, no espelho de todas as ilusões.

    Oeiras, 30/10/2009 – Jorge Brasil Mesquita

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