(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



terça-feira, 7 de abril de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 10

Epigrama
por Pedro Martins
desenho de Almada Negreiros

Se a memória me não atraiçoa, Óscar Lopes terá dito, ou escrito, algures que “Fernando Pessoa – infelizmente (sic) – era um grande poeta”, ao passo que Pascoaes seria um poeta de “terceira ordem”. Não tenho à mão o número de A Phala onde se dá notícia do desconchavo. Mas recordo-me da indignação justiceira com que José Bento mandava perguntar ao professor comunista quais os seus poetas de primeira, segunda ou qualquer outra ordem. Foi isto há uns doze ou quinze anos. Cito de cor, já se vê.

Em época menos recuada, concedeu Clara Ferreira Alves, na qualidade de directora da Casa Fernando Pessoa, uma entrevista de imprensa a um jornal diário, na qual declarava que não lhe interessava nada o “lado religioso” de Fernando Pessoa, faceta que a senhora, de resto, considerava “detestável”. Mais ou menos por essa altura, li um escrito publicado no JL, no qual um jovem professor da Faculdade de Letras do Porto, de seu nome Rui Lage, afirmava que a visão do mundo de Pessoa, articulada na sua poesia, era “definidora da nossa identidade”, mas “não da pátria”, pois que “a sua única obra menor” seria, precisamente, a Mensagem.

Claro está que, com os néscios, há sempre o recurso, de resto inútil, de lhes sugerirmos o estudo das lições clássicas que Álvaro Ribeiro e António Telmo dedicaram à grandeza do poeta; ou a leitura dos prefácios notáveis que Pedro Sinde e António Carlos Carvalho apuseram a importantes edições da Mensagem, vindas a lume no ano de 2007, com as chancelas da Porto Editora e da Caixotim, respectivamente. Aquela já vai na segunda tiragem; esta mereceu honras de lançamento com sala cheia, na sobredita Casa Fernando Pessoa, perante a ausência do seu director.

Como, um dia, bem notou António Telmo, Fernando Pessoa já havia sido corrido, no sentido tauromáquico do termo. Corrido para ser morto, ou seja, para ser roubado à filosofia portuguesa.

Depois disto, a gente ficou a pensar que vira tudo. Puro engano, afinal. O cálix não estava esgotado. Havia de ir até o nojo das fezes. Assim foi.

Só que, em lugar do larápio, era agora o pretenso dono da casa que assomava, agitando um varapau e exibindo um alvará! E Fernando Pessoa era de novo corrido. Corrido da filosofia portuguesa, expulso da casa de Portugal, que outrora ajudara a erguer.

O larápio, que ia a passar naquele momento, esfregou as mãos de contente. Reconhecido, acenou ao putativo proprietário, exibiu-lhe o troféu inesperado. Desta vez, não fora sequer necessário introduzir-se em casa alheia.
Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és…

3 comentários:

  1. Nem de propósito a Revista Leonardo, revista dita de Filosofia Portuguesa (coisa de que começo a duvidar francamente)inicia o seu mais recente testemunho com o seguinte texto:

    "Pessoa apreciado por Pascoaes
    Escrito por Direcção


    Para todos os que, em termos eruditos e parasitários, se estão actualmente socorrendo de Fernando Pessoa, ou que, enquanto seus sacerdotes, chegam ao ponto de, com arrojada veleidade e pretensiosismo, exaltar a sua obra poética, política e filosófica, aqui fica, ao invés, o testemunho incontornável de Pascoaes (...)".

    Ficámos a saber por uma voz chamada Direcção, que aqueles que, de alguma forma, admiram, estudam e tentam compreender a obra de Fernando Pessoa são um bando de parasitas pretensiosos. E ficámos a saber, da pior forma: Pascoaes não considerava Fernando Pessoa um grande poeta. Que vai ser de nós agora? Que mestre escolher? Que partido tomar?
    Pessoa ou Pascoaes? A dúvida percorre o nosso corpo com um grito de dor. Onde está a razão na poesia? Quem é o melhor poeta nestas olimpíadas da alma? Talvez Deus nos ilumine nesta dúvida.

    A dita Direcção tem nomes: Francisco Morais Sarmento, João Seabra Botelho, Miguel Bruno Duarte e Nuno Cavaco. Será que todos subscrevem (e com o mesmo tom altivo) este início da crónica na qual o olhar inocente de quem lê e ama a poesia de Fernando Pessoa é completamente aniquilado por um julgamento cego e ignorante?

    Como diz o António Carlos Carvalho: "é mais fácil invejar do que admirar" e admirar os dois poetas com a mesma intensidade, isso parece ser impossível para a Direcção da Leonardo, para tal é necessário muito coração e pouca razão. E sobretudo bom gosto...

    Cynthia Guimarães Taveira

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. Tem razão no que disse cara Cynthia, aquela revista de Filosofia não tem nada. Trata-se somente da opinião (no sentido prejurativo do termo, adoptado desde a antiguidade, característica do senso comum, afilosófico e acientífico - pura doxa) completamente infundada, fruto da mera tineta de cada um dos seus directores.
    E vê-se bem que rigor e objectividade são coisas desprezadas por estes senhores, ou não fosse a péssima ideia que transmitem da formação académica superior e da natureza da Universidade. Em suma, são revistas como aquela que empobrecem a já tão frágil Filosofia em Portugal.

    ResponderEliminar