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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

JAIME CORTESÃO, 50 ANOS DEPOIS,10



“A hombridade ibérica degenera, com frequência, na exacerbação anárquica do eu, no individualismo feroz, na indisciplina, na soberba e no ponto de honra, na inveja e na maledicência, vícios mais comuns aos habitantes da meseta, menos plásticos, mas que estão longe de ser alheios aos Portugueses. (…)

“A hombridade pode conduzir igualmente à intolerância fanática e afirmar-se com violência e crueldade. O carácter terrivelmente afirmativo do ibérico tinha que levá-lo às exacerbações inumanas da Inquisição. Esse espírito permanece e permanecerá latente, como vírus endémico, em todas as nações ibéricas. É o reverso fatal de uma das suas maiores virtudes.
“Se a hombridade é a fonte dos maiores defeitos do ibérico, e, em especial, do castelhano, seu representante mais directo, a plasticidade degenera no português, em proporção maior, nos vícios correspondentes: a maleabilidade levada até à abjecção, à hipocrisia e ao conformismo sem limites. Foi por isso também que a Inquisição fez mais estragos nas almas em Portugal do que na Espanha; e o fanatismo aliado à baixeza pesam ainda hoje como a pior das heranças e das ameaças sobre os Portugueses.
(…)
“Todavia é na base do denominador comum da hombridade, que melhor podemos estabelecer a diferença entre o castelhano, isto é, o ibérico puro, e o português. A hombridade ibérica, agreste e seca, leva à expressão crua da realidade e por isso ao sarcasmo e ao drama; essa mesma hombridade, quando temperada pela inquietação e a amorabilidade portuguesa, deixa de entrever o real sob o véu da idealidade, e leva ao lirismo, à novela pastoril, à elegia e à epopeia.
“A hombridade ibérica, individualista e fechada em si mesma, leva ao humanismo introvertido do solitário, à exploração do mundo interior: a Cervantes e ao D. Quixote, a Calderon e aos dramas da honra. A hombridade portuguesa, inquieta e amorosa, leva ao humanismo extrovertido, à fusão do homem com o mundo exterior da Natureza e dos homens; a Fernão Mendes Pinto e a Camões.
“Mas Camões, o épico e o lírico, como o Cervantes novelista, são os dois maiores símbolos desses dois modos da hombridade e do humanismo.
(…)
“Se antes de Camões, falamos de Fernão Mendes Pinto, humanista crítico e precursor de Cervantes, é apenas porque a epopeia culmina e define pelo génio a história de Portugal até ao seu tempo, tal como nós a compreendemos: Portugal deu aos homens a consciência física do planeta e a consciência da unidade moral da Humanidade. Os Lusíadas são o poema da comunhão do Homem com o Universo. Por sua vez, o D. Quixote representa o seu austero exame de consciência e o reajustamento com as realidades novas. Em Os Lusíadas o homem alarga-se a todo o mundo; no D. Quixote reflui sobre si próprio.
(…)
“Dissemos que Os Lusíadas são o triunfo, ou melhor, a epopeia do Quixote e das nações-Quixotes; e o Quixote a tragicomédia dos lusíadas, isto é, das nações hispânicas, forjadas na escola da Cavalaria. Se quisermos agora traduzir esta antinomia em experiência peninsular, poderemos acrescentar: em 1580, ano da morte de Camões, três anos depois seguido no túmulo por Fernão Mendes Pinto, D. Quixote perdia a independência em Portugal, a favor do realista e grão-Sancho do Escorial, que passou a dominar toda a Península."
Jaime Cortesão
in O Humanismo Universalista dos Portugueses, pp. 272-277.

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