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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 91


Crónica quarta da beira-mar
Eduardo Aroso

Atirar um papel para o chão ou lançar uma garrafa vazia para um sítio impróprio é um acto que revela tanta falta de civismo como um autarca que atira para o fundo da gaveta um requerimento de um cidadão respeitável que quer ver a sua vida andar para a frente. A cena viu-se ontem aqui na praia. Um rapaz não esteve com meias medidas: depois de ler, atira o jornal para a areia, quer, depois, o vento o levasse ou não. Isso era assunto de metereologia!

Afonso Botelho
Nessa noite – porque tinha trazido o livro comigo para uns dias de férias – começo a reler o mundo admirável do civismo que Afonso Botelho descreve na sua obra Origem e Actualidade do Civismo, edições Terra Livre, 1979. Tão admirável como desejável a problemática do civismo, conceito mais amplo que a actual cidadania, que parece contentar-se com pouco. Jaime Cortesão enfatizava que civil é aquele que sabe que existe o outro e, por isso, respeita-o no pleno sentido.

Civismo tão necessário como água para apagar os fogos que calcinam o corpo físico da pátria, cuja alma não sabemos onde se encontra: se no céu, se no inferno, ou num nirvana de onde nada diz. Num tempo em que quase todo o cidadão se deita com a culpa de que não sabe do seu ofício e daí por uns dias já tem que fazer outra acção de formação (às vezes formatação), deveria este ímpeto ser aproveitado no ano do centenário da república, para profícuas leituras sobre o civismo e depois aulas práticas em qualquer lado, o que para além do alcance cultural, dado o estado da sociedade, seria uma obra de misericórdia. Começando por aqueles que se sentam na assembleia constituinte até ao povo mais simples.

Aqui fica a sugestão. Em vez de se pagar aos que fazem discursos mais ou menos oficiais nestas comemorações dos 100 anos, melhor seria que as entidades disponibilizassem um pacotinho, ou, mais simplesmente, organizassem uma antologia de textos de figuras que tanto meditaram e escreveram sobre o assunto. Entre outros: Jaime Cortesão, António Sérgio, Agostinho da Silva, o citado Afonso Botelho, o já esquecido e ainda há não muito tempo falecido, Alçada Baptista, e aqueles, felizmente ainda entre nós, como é o caso de Pinharanda Gomes, por exemplo, na obra Meditações Lusíadas, onde se lê cruzado ou em linha recta, as múltiplas implicações do civismo enquanto estado de espírito, como os antigos o entendiam na polis e na urbe, e, neste caso, na terra lusíada onde o civismo é susceptível de se confundir com o sentido religioso do espaço.
Agosto de 2010

2 comentários:

  1. Tem V. a maior razão.

    Talvez o civismo mereça a Formação Profissional. O teor seria o civismo ou o comportamento democrático, neste caso o altruísmo, a extinção de juízos morais e a pedagogia no acesso às inúmeras associações democráticas, p. ex. Associação de Pais, e não ver por aí tantos senhoritos e senhoritas com ar de alfabetizados entre rústicos.

    Outros já se empenharam nesta ideia, lembro-me dos discursos pelo país de Leonardo Coimbra dentro e fora da Universidade Popular.

    Este seu leitor, cumprimentos.

    C. Eliseu

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  2. Muito obrigado pela sua gentileza.

    Caro amigo, esta "batalha" é de todos nós e, mais do que isso, parece que já não podemos travá-la sozinhos (digo, os mais velhos), por isso temos que incutir na juventude a absoluta necessidade desta liça, sem a qual a vida não é verdadeiramente vida.

    Eduardo Aroso

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