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terça-feira, 12 de maio de 2009

NO CORAÇÃO DA ARTE, 3

Cynthia Guimarães Taveira


O Pintor
Há um sussurro que percorre a vida. Como se, de alguma forma, fôssemos espectadores em expectativa, espanto, assombração perante as construções e ruínas do mundo. E as construções e ruínas humanas. Debaixo de uma mesa, dentro de um roupeiro ou a partir da sombra de um canto, as crianças escondidas tendem a ver um mundo a partir do lado de fora. O sussurro assim nasce e assim nos acompanha. A câmara escura dá-nos o recorte da realidade e os pormenores dos acontecimentos. Vistos nesse sussurro, ganham uma amplitude impossível de acontecer na dissolução da parte no enquadramento do todo. É nessa câmara escura, símbolo de uma ajuda ao pintor, que a árvore coberta de flores, retirada do macrocosmos, passa a ser, ela mesma, o macrocosmos, e o sussurro, inaudível aos outros, pode tornar-se num canto de alegria, num hino sagrado, numa glorificação dos céus, numa experiência mística, numa fonte de sabedoria, num mastro de pé ante a tempestade.
O pintor é um intuitivo. Quase animal. Um dançarino cujo gesto não tem pausa. Debruça-se, estende-se, distende-se, concentra-se, alheia-se, esquece o corpo e voa na ponta dos dedos. Em cada pincelada há a concentração do mundo para um universo novo nascer. Alheio à teoria, porém cria-a, alheio ao mundo, recria-o nesse sussurro escondido, inaudível como o da poeira das estrelas.

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