3 - Vê o leitor que fui descendo e que agora já não escuto ninguém nos altos cumes entre os poetas, antes ensurdeço num mísero vale entre a vozearia meio alterada de uma taberna. Teve que ser porque, apesar dos plebeus que nos desgovernam, ainda acalento velada esperança no povo. Se mesmo assim, for o povo português de cerviz dura e contumaz que nem o seu instinto de sobrevivência escute, quero eu mesmo exilar-me na Ilha dos Amores, acaso os seus anjos guardiães permitam a entrada a tão tosco pedinte. Ou então − ó meu Deus, tudo vendemos! Vi há dias num grande camião, quatro centenárias oliveiras portuguesas a serem levadas para Espanha, as suas raízes no ar e arrancadas da nossa terra − ou então, dizia eu, como a questão de Olivença permanece em aberto, recolho-me subversivamente a essa Terra das Oliveiras, para nela levantar sozinho de novo Portugal. Fica assim Portugal uma ilha dentro de Castela, uma ilha de terra com terra à volta, irreconhecível e por isso inexpugnável. Nela farei um poema conforme souber, em português e com o último sopro que me restar. Morrerei nessa terra que é a Saudade por inteiro, quente e seca, em agonia longe do mar. Nela descansarei para sempre em pura identificação com a Pátria que me deu a língua com que escrevo e nomeio o mundo, a língua com que amo e sofro. Pode, numa sepultura em duplo quadrado similar ao nosso mapa do rectângulo pátrio, ser o epitáfio assim escrito: «Nesta tumba, tombou Portugal». Imagino agora como foi pungente de dor a agonia de Camões em 1580: «Morro, mas morro com a Pátria».
Post-Scriptum: aos portugueses que restam há ainda o consolo da língua portuguesa, que guarda em si um mundo espiritual por inteiro. Há também algumas romarias religiosas, o tesouro esquecido que é a Galiza, a sardinha e a castanha (ambas assadas) e alguns (poucos) poetas e gente que sabe filosofar. Só com estes é profícua, sã e desejável a relação com Castela e, melhor ainda, com as Espanhas.
Antecedentes: 1.ª parte; 2.ª parte; 3.ª parte; 4.ª parte
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