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domingo, 27 de março de 2011

ENIGMAS, 5



O Aleph

(Dedicado ao Paulo Santos para quem a matemática também é um caminho)

Os mais importantes, e os mais singulares trabalhos, são devidos ao genial Georg Cantor, que viria a morrer louco. Esses trabalhos, são ainda discutidos pelos matemáticos, entre os quais alguns pretendem que as ideias de Cantor são logicamente indefensáveis. Ao que os partidários do transfinito replicam: “Do Paraíso aberto por Cantor ninguém nos expulsará!”

Eis como se pode resumir, grosseiramente, o pensamento de Cantor. Imaginemos dois pontos sobre esta folha de papel: A e B, distantes de 1 cm. Tracemos o segmento de recta que une A a B. Quantos pontos há nesse segmento? Cantor demonstra que há mais do que um número infinito. Para preencher completamente o segmento é necessário um número de pontos maior que o infinito: o número aleph.

Esse número aleph é igual a todas as sua partes. Se se dividir o segmento em dez partes iguais, haverá tantos pontos numa das partes como em todo o segmento. Se construirmos, a partir do segmento, um quadrado, haverá tantos pontos sobre o segmento como na superfície do quadrado. Se se construir um cubo, haverá tantos pontos no segmento como em todo o volume do cubo. Se construirmos, a partir do cubo, um sólido de quatro dimensões, um tessaract, haverá tantos pontos no segmento como no volume de quatro dimensões do tessaract. E continua assim até ao infinito.

Nesta matemática do transfinito, que estuda os aleph, a parte é igual ao todo. É perfeitamente demencial, se nos colocarmos no ponto de vista da razão clássica, e no entanto é demonstrável. Também é demonstrável o facto de que, se se multiplicar um aleph por qualquer número, chega-se sempre ao aleph. E eis as altas matemáticas contemporâneas a juntarem-se à “Tábua de Esmeralda” de Hermes Trimegisto (“o que está em cima é igual ao que está em baixo”) e à intuição dos poetas como William Blake (todo o Universo contido num grão de areia).*

Só existe um único processo para passar além do aleph, é elevá-lo a uma potência aleph (sabe-se que A potência B significa A multiplicado por A, B vezes e, da mesma forma, aleph à potência aleph é outro aleph).

Se se chamar ao primeiro aleph zero, o segundo é aleph um, o terceiro aleph dois, etc. Aleph zero, já o dissemos, é o número de pontos contido num segmento de recta ou num volume. Demonstra-se que o aleph um é o número de todas as curvas racionais possíveis contidas no espaço. Quanto ao aleph dois, ele corresponde a um número que seria maior que tudo o que se pode conceber no Universo. Não existem no Universo objectos em número suficientemente grande para que, ao contá-los, se chegue a um aleph dois. E os aleph estendem-se até ao infinito. O espírito humano consegue, portanto, ultrapassar o Universo, construir conceitos que o Universo jamais poderá preencher. É um atributo tradicional de Deus, mas jamais se imaginara que o espírito pudesse apoderar-se desse atributo. Foi provavelmente a contemplação dos aleph para além de dois que tornou Cantor louco.”

* Fernando Pessoa, pela voz de Alberto Caeiro, no poema que começa: “Tive um sonho como se fosse uma fotografia”, também escreve: “E como se cada pedra fosse todo o Universo”.


Texto retirado de “O despertar dos mágicos”, de Louis Pauwles e Jacques Bergier, Bertrand Editora, 2009, pág. 475

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