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quinta-feira, 24 de junho de 2010

«SINGULARIDADES»: OS EXCERTOS, 13

O quarto e a quinta


Luís Paixão
Ao Pedro Martins
A casa portuguesa, síntese romana, judaica e cristã, é o lugar da vida familiar onde acontecem os mais belos gestos de carinho e onde são ditas as mais altas palavras; mas, por outro lado, é ali também, na habitação, lugar de habituação, que se instalam o óbvio e a apatia.
Por isso, as palavras a ela directamente ligadas, e que fazem parte do quotidiano do nosso dia-a-dia, têm tendência a ser pouco interrogadas, embora elas manifestem aquilo que há de mais distinto e autêntico no culto, na cultura e na civilização de um povo, porque são aquelas que estão mais ligadas com a sua vida.
Há cerca de 20 anos fui convidado, no exercício da minha actividade profissional, a desenhar o projecto de recuperação de uma pequena casa rural com algumas centenas de anos, localizada no concelho de Sesimbra. A construção de paredes grossas de alvenaria de pedra tinha uma planta quadrangular dividida rigorosamente em quatro partes, coberta por um telhado de quatro águas. Aquela configuração é muito comum na região saloia, ao norte de Lisboa; e também ao sul, na península de Setúbal. Como fiz o levantamento, fui interiorizando a divisão em quatro e, naturalmente, surgiu no meu espírito essa extraordinária relação entre a designação quarto e um quarto da casa. Não conheço nas línguas europeias qualquer relação entre esta palavra e a designação de um compartimento. Actualmente designa apenas os espaços destinados ao dormir, mas no nosso território camponês o termo ainda é genérico, podendo designar compartimentos com outra finalidade.
(...)

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