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quinta-feira, 11 de março de 2010

APONTAMENTOS E REFLEXÕES SOBRE O KYUDO EM PORTUGAL, 3*

Luís Paixão**

Se é condição para a manutenção da prática do Kyudo a identificação dos aspectos acima referidos, porque de outro modo reduz-se a uma técnica vazia de sentido, também não deixa de ser indispensável a atenção permanente aos aspectos relacionados com o grupo. O caminho do Kyudo é individual, mas ele só é possível no interior de uma gregora: a amizade, o sentido de grupo, a lealdade, a cordialidade, o respeito mútuo são valores que entram na composição da argamassa que liga as pedras do edifício do Kyudo. Qualquer atentado a estas regras é grave e revela, para além de outros aspectos, falta de inteligência. O legado do mestre Yokokoji, independentemente do seu estatuto de graduação, foi antes de mais o exemplo das virtudes referidas e nunca será demais apontar a sua disponibilidade e entusiasmo para todas as tarefas relacionadas com as actividades do grupo - não apenas com a prática - e a sua tristeza quando alguém as negligenciava.

Seminário da Associação Portuguesa de Kyudo, na Quintinha, em Junho de 2004
Um outro acontecimento muito importante que valerá a pena referir foi a vinda a Portugal do Sr. Kudo, mestre do Sr. Yokokoji, a convite deste no ano de 1995. Era na altura considerado o praticante cuja técnica era a mais perfeita no Japão. A prova desse facto foi ter sido solicitado pelo reconhecido mestre do cinema mundial, Akira Kurosawa, para ensinar os actores do filme Os Senhores da Guerra na difícil arte de Yabusame (Tiro com arco a cavalo), a fim de representarem as cenas iniciais de caça ao javali. Mais baixo que Yokokoji e de idade avançada, manifestava contudo uma enorme vitalidade. Ficou alojado na Cotovia, onde acompanhou o primeiro seminário da associação. Executou muitos tiros em tronco nu, para que nós nos apercebêssemos dos músculos que estavam a ser utilizados em cada momento do tiro. O seu corpo era deste modo um livro aberto, tal era a nitidez dos músculos e dos ossos, não sendo visível nada que estivesse a mais. Tinha um emprego modesto no Japão como transportador de mercadorias no porto da cidade onde vivia, utilizando um pequeno veículo entre as 5 e as 10 horas da manhã, e dedicava o restante do dia ao Kyudo. Foi convidado na altura por várias pessoas para ensinar noutros dojos, tendo declinado sempre os convites e pedindo às pessoas que se deslocassem ao dojo da Quintinha.

Treino no novo Dojo de Sesimbra
Na despedida, o Roque teve a feliz ideia de lhe oferecermos um arreio de cavalo à portuguesa, que foi de facto a melhor coisa que lhe poderíamos ter oferecido, tal a alegria que manifestou quando o recebeu. Mais tarde chegou-nos a mensagem pelo mestre Yokokoji que o Sr. Kudo lhe teria dito que as melhores coisas que lhe teriam acontecido na vida havia sido o kyudo e ter vindo ao nosso país. O apoio à actividade em Portugal tem vindo a ser assegurado anualmente pela Srª Maky Kudo, sua esposa, 7º Dan Kyoshi no Japão, sendo particularmente reconhecida no seu país pela qualidade das suas alunas e alunos, e por ser uma especialista em fisioterapia na tradição japonesa.
Já dezassete anos decorreram desde o inicio da prática, muitos foram os seminários e as demonstrações nacionais e internacionais em que a Associação esteve presente e envolvida. Das iniciativas tomadas realçamos a presença em todas as demonstrações de artes marciais organizadas pela Associação de Amizade Portugal-Japão e, mais recentemente, a bem da actividade, pela entrega e empenho dos associados, são de realçar a manutenção do núcleo do Instituto Superior Técnico em Lisboa e o inicio da construção do novo Dojo em Sesimbra.


Antecedentes: 1.ª parte; 2.ª parte
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* Artigo originalmente publicado na revista Biosofia.
** Fundador da Associação Portuguesa de Kyudo.

1 comentário:

  1. Meu caro Luís, no meio desta confusão geral, em todos os planos, é muito bom ver que alguém nos chama a firmar bem os pés no chão e a parar para escutar o coração, o sopro da existência. É também bom ver que a Tradição e a relação Mestre-Discípulo não são apenas ideias interessantes, coisas do passado. E, ainda, aqui fica registada a minha inveja por vos ver a viver uma Via que dá sentido a este caos em que nos encontramos mergulhados. Oxalá possam viver na sua plenitude.

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