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segunda-feira, 27 de junho de 2011

SABEDORIA ANTIGA, 22

As cidades invisíveis

Alexandra Pinto Rebelo

Lembro-me da primeira vez que li As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, e da surpresa que senti.
A história conta-se em poucas palavras por ser simples. Marco Polo descreve a Kublai Kan as cidades que visitou nas suas missões. O imperador escuta-o com mais atenção do que a qualquer outro dos seus enviados. São cidades quase sempre improváveis mas verosímeis num qualquer recanto do nosso mecanismo humano.
Com todos estes postais sem precedentes somos levados a questionar-nos sobre o que é, de facto, uma cidade. Compreendemos que uma cidade pode ser milhões de rascunhos diferentes, por estar ali, em vocação suspensa para ser sentida.
Da mesma forma, nos poderemos nós sentir Kublai Kan, escutando, não Marco Polo, mas Dalila Pereira da Costa. Num dos seus relatos: “Em Braga, na Rua do Gaio, junto ao centro da cidade actual, persiste, ainda, nos nossos dias, o mais arcaico e intacto santuário pagão de todo o território português e ainda da Península. Embora seu testemunho escultórico e epigráfico date da época romana, na sua origem ele recuará a tempos muito remotos, da pré-história: celtas e mesmo pré-celtas. Local detentor da Potência, a do sagrado, e que ainda hoje nele será sensível aos homens, por uma certa vibração aí sentida, o Quintal do Ídolo em si marcará um dos pontos altos da geografia sagrada de Portugal. Com todos os sinais peculiares do santuário pagão, na sua presença conjunta de pedras, águas e árvores- assim ainda hoje, nos seus testemunhos, ele se mostrará a nós em todo o seu perturbante mistério. E é ainda sua água sacralizada, há dois, há três ou mais milénios, a mesma que vemos correr no seu leito de pedra e ouvimos no seu doce murmúrio.”¨(1)
A Braga pagã desvelada pela leitura de quem a consegue sentir é, também ela, uma Cidade Invisível. Não será uma cidade construída em literatura, mas também ela é um lugar onde podemos descansar, sentindo-nos em casa por sermos humanos.
Voltando a Calvino, ou a Marco Polo, sabemos que “Finalmente a viagem conduz à cidade de Tamara. Entra-se nela por ruas pejadas de letreiros que sobressaem das paredes. Os olhos não vêem coisas mas sim figuras de coisas que significam outras coisas (...)”. (2)
E não serão estas ruas uma boa metáfora urbana de tudo o que aqui foi dito?


(1) Costa, Dalila L. Pereira da, "Corografia Sagrada", Porto, Lello & Irmãos Editores, 1993
(2) Calvino, Italo, "As Cidades Invisíveis", Lisboa, Editorial Teorema, 1993

4 comentários:

  1. No visível há beleza, interesse e mistério suficientes para ocupar uma vida. Para quê perder tempo com o invisível?

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  2. Na fotografia clássica, as coisas compreendem-se pelo seu "negativo". O caso do lado visível e invisível das cidades - para quem souber ver - compreende-se bem melhor pelo invisível.

    Eduardo Aroso

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  3. Mesmo a física acredita no invisível, por isso o tenta palpar através de fórmulas. E=mc2 é uma boa tentativa disso. Aqui na Europa, desde as pinturas rupestres, pelo menos, tentamos ver o invisível.Essa é a história da nossa ciência, da nossa arte, da nossa religião, do nosso conhecimento. É um caminho que, forçosamente, inclui até os invisuais ou então, teríamos de lhes dizer: "desculpem, mas não há lugar para vocês neste planeta..."
    Alexandra Pinto Rebelo

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  4. O invisível é, obviamente, um tema complexo. Mas mais complexa (ou complexada) é a abordagem que a chamada cultura académica ou do «mainstream» faz. Não foi Einstein que disse que é mais fácil bombardear um átomo (modificá-lo) que mudar um preconceito!? Só para dar um exemplo - e este bem no campo do concreto - há mais de 50 anos que existe a chamada Fotografia Kirlian. Hoje, com o seu aperfeiçoamento em matéria de cor e não só, basta ir à Net e ver o que é. Nunca vi nenhuma revista médica falar disso. Mas em Portugal há algumas clínicas (obviamente particulares) que utilizam a foto Kirlian como tecnologia para diagnóstico.
    Só como curiosidade: durante 50 anos correu mundo que foi o casal de cientistas russos (Kirlian) o inventor da primeira máquina. A verdade é que foi um padre brasileiro do interior do Brasil, o primeiro inventor. Hoje é dado como um facto assente.
    Eduardo Aroso

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