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sexta-feira, 24 de junho de 2011

ALQUIMIA, 1




Cynthia Guimarães Taveira

Lembra-se de passar tardes infinitas na sua sala. Estantes altas trepavam pelas paredes. Livros como estratosferas de ideias em camadas que pendiam sobre a sua pequena cabeça. Pela altura só chegava às estantes mais baixas. Livro pequeno herdado do pai morto cedo de mais. “O ocultismo” destacava-se dos outros pela pintura da capa, de Hyeronimus Bosch. Um pássaro engolia uma pessoa. Estranhava o estranho e o estranho, ainda não o sabia, puxava-o para si como se soubesse serem da mesma natureza. Abria o livro vezes sem fim. Lá dentro imagens carregadas de símbolos: mãos escritas, tabelas, fotografias, pinturas. Parecia um livro mágico que quando se abria o fazia entrar num outro mundo mas agora estranhamente familiar. Fixava os olhos nas imagens e pontos de interrogação abstractos circulavam na sua cabeça numa dança. O lado misterioso da vida existiria ou seria vontade dos homens? Aquele lado oculto que se revelava parecia-lhe sério. Mais até do que sério. Importante. Essencial. Se era fantasia, esta era essencial. Só assim a vida poderia ter sentido. O sentido oculto das coisas era o único sentido porque criava e desfazia ilusões. Porque avançava em metamorfoses pelo espaço e pelo tempo. Porque ia ao fundo dos tempos e resgatava as primitivas mensagens ainda acessíveis aos homens. Porque Ovídio era um pequeno deus numa casa de bonecas, num microcosmos. Brincadeira preferida: fingir ser um animal. Abelha, tigre, cão. Ou imaginar um palco com bailarinos. Fechar os olhos e vê-los dançar com coreografias que apareciam já feitas.

A virtude era entender que a vida era uma constante potência. A revelação uma eterna verdade da actualização dessa potência. A Alquimia vivia entre estes dois entendimentos. Sim, numa casa de bonecas, porque não?

1 comentário:

  1. Faltava o toque alquímico a este blog! A filosofia, para ser extravagante, deve conseguir tocar tudo. Basta de tentarmos responder a perguntas viciadas. Parabéns pela coragem.

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