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segunda-feira, 13 de junho de 2011

13 DE JUNHO


Fernando Pessoa

Alexandra Pinto Rebelo

Fernando Pessoa foi o grande poeta do século XX. Esta minha afirmação, não pode deixar de ser um pouco injusta para todas as outras excelentes páginas de poesia escritas no século passado. Porém, é uma afirmação inteiramente justa para o próprio Pessoa e para a história da nossa literatura.
Depois de Camões nunca a poesia tinha alcançado tanto, assumindo-se o poeta como transmissor entre mundos, sabendo, ao mesmo tempo, elevar a poética a uma prática devocional comum entre os antigos, nunca esquecendo que, ao mesmo tempo, era moderno.
Este religar entre tempos parece um lugar comum, tornando pálido este texto, mas não o é (o texto, a ser pálido, sê-lo-á por outros motivos). Pessoa, na sua certeza de querer ser tudo, soube também ser passado e presente a um tempo. A maior parte dos poetas, não querendo abdicar de si, fogem a esta necessidade. Ou são só do seu tempo, o que é estranho, ou são só antigos, o que é absurdo.
A maior parte da poesia de Pessoa é oracular. Pessoa é o veículo sublimado, aquele que transmite e que sabe que transmite. Tem consciência do processo, envolvendo-se nele, conseguindo ser testemunha do que se passa, transmutando-se com isso. É o alquimista completo, expondo-nos o mundo em palavras entendíveis.
A poesia torna-se assim, um trabalho em êxtase de pasmo e medo. Silencia quando observa, retoma o seu labor quando tal é possível, fingindo sempre, que é como quem diz, passando pelo escrutínio da razão tudo o que foi sentido.
Escolhi um pequeno poema para ilustrar esta poética alquímica. Trata-se da “Ascenção de Vasco da Gama”. Aí, os antigos deuses gregos param a sua luta. No vale por onde se ascende aos céus, os deuses assistem à transmutação das formas que estão a receber, em ascese, a alma de Vasco da Gama. O pastor é o poeta-símbolo, a flauta, o seu instrumento de comunicação, ou seja, a escrita. O poeta está na terra, mas num local fronteira que lhe permite ver o céu abrir o seu abismo à alma do Argonauta. A sua flauta caí, em êxtase, a poesia não é possível nesse momento, só havendo lugar para o divino. Mas a poesia é retomada mais tarde, dando origem a este poema, falando daquilo de que seria impensável falar. O poeta, tomando Delfos como exemplo, é o oráculo e aquele que lhe coloca a questão, a pitonisa e o sacerdote que interpreta as comunicações em verso. Sendo todos os processos, o que é ele, senão o poeta-alquimista?

Ascensão de Vasco da Gama

Os deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.


In Pessoa, Fernando, Mensagem, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. «A maior parte dos poetas, não querendo abdicar de si, fogem a esta necessidade. Ou são só do seu tempo, o que é estranho, ou são só antigos, o que é absurdo».
    Inteiramente de acordo consigo: a grandeza de Pessoa é que ele é de todos os tempos. Bastaria isto.

    Eduardo Aroso

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