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sexta-feira, 10 de junho de 2011

EXTRAVAGÂNCIAS, 134



O dia 10 de Junho não é só de vez em quando

Cynthia Guimarães Taveira

Ouvi dizer que o Eng. José Sócrates tenciona ir para França durante um ano para estudar, imaginem, Filosofia. Agora? Só agora? Ainda por cima para França! Fiquei deveras espantada, o homem é, de facto, um desastre ambulante. Talvez volte de lá um ser bastante perigoso. Metade tecnocrata, metade positivista, e talvez, quem sabe, cheio de força e armas teóricas para prosseguir com o seu propósito final: ser um elemento empenhado em destruir qualquer indício, qualquer intenção, qualquer desejo que Portugal demonstre em continuar a sua Iniciação. E neste jogo de forças, vale tudo, até estudar filosofia! Primeiro, faz um curso de Engenheiro às três pancadas apenas pela pressa de continuar a sua carreira política e, no fim, depois de desgovernar toda a gente, medita sobre o seu próprio nome e entende que há algo de filosófico nele próprio.

Mas tudo isto levanta um problema fundamental da nossa classe política. Haverá algum político que conheça a matéria-prima com a qual trabalha? Com que matéria-prima trabalha um político? Resposta: com um povo. Há então algum político que conheça o seu povo? Que o conheça a sério pela voz daqueles que reflectem sobre ele?

Serei, porventura, bastante radical, mas um dia imaginei ser muito rica e, imaginei que, com esse Euromilhões gigante, compraria um palacete antigo. E, nesse palacete, instituiria uma Fundação dedicada aos estudos sobre Portugal: uma espécie de escola aberta mas com regras muito apertadas no que se refere a quem dirigiria tal Fundação. Essa Fundação teria como condição de existência, para lá da minha morte, a elaboração de vários núcleos de saber em diferentes partes do país e do mundo e teria, a parte mais difícil, uma exigência deixada no meu testamento: só poderia ser Presidente dessa Fundação alguém que passasse num teste escrito onde fosse avaliado o conhecimento de determinadas matérias sobre o nosso povo e sobre o nosso país.

Parei. Parei ainda mais. O que desejava, no fundo, é que quem nos governasse fosse assim. Tão simples, afinal.

Que político leu, sentiu e interiorizou as páginas que abaixo transcrevo de Dalila Pereira da Costa? Calculo que quase nenhum. São políticos das suas próprias ideias, se é que as têm, mas não são políticos ao serviço do seu povo porque nem o conhecem. Nem se conhecem a si próprios como o demonstra este acto final, radical e estrangeirado de Sócrates.
Deixo este texto de Dalila Pereira da Costa apenas como exemplo de uma meditação, muitos outros há, de muitos outros autores, e, como são muitos, levariam muito tempo a ser lidos, muitos 10 de Junho espalhados pelo ano inteiro… Desculpem o excerto ser grande, mas penso ser, este também, um grande dia.
Sobre as raízes que os povos celtas deixaram em Portugal, diz então Dalila:

“Entre essas raízes, apontemos primeiramente as que nos surgirão como de força negativa, como os seus defeitos particulares (e por herança directa, também dos portugueses); entre outras demais, a vaidade, ela como tendência à vanglória, ou fanfarronice e o gosto imoderado da sumptuosidade e ostentação; a preguiça; um entrega a estados prolongados de sono ou torpor, sobretudo depois de uma frustração ou derrota sofrida, que ela, nunca é aceite em humildade e coragem; um movimento na acção, em qualquer empresa ou luta, que se exerce somente em toda sua energia no primeiro momento, logo decaindo ou sendo abandonada, por falta de constância ou disciplina; gosto imoderado e prolongado de festas, banquetes, tomando formas extremas de orgia, gosto de longos discursos em retórica empolada e vazia; mas acima de tudo, porque de força máxima destruidora, essa tendência à anarquia, por dispersão de energias incontroladas, ela vinda desse exclusivo sentimento de individualidade, negando todo ou qualquer acatamento de autoridade estranho ao individuo ou grupo social, outrora como tribo; autoridade que agiria como força unificante de organização e coesão, levando a uma concepção de comunidade mais alta ou lata, como nação. E que entre os portugueses ao longo da sua história, seria efectuada pelos seus heróis. Tal no começo, a do rei Fundador, depois numa revolução, do santo, D. Nuno Álvares Pereira, ou nos Descobrimentos iniciada por outro seu herói, o Infante D. Henrique.

Anarquia que, como mal endémico dos celtas, os levou à derrota pelos romanos; e depois nos portugueses, à sua auto-derrota nestes dois últimos séculos e notadamente a partir das Lutas Liberais: como estado de desunião, com perda constante de energias, porque não disciplinadas e organizadas para um único fim em eficiente acção: o serviço da nação. Estado introduzido em imagem psíquica de dissociação de personalidade ou em imagem cósmica de caos primordial.

Entre essas outras raízes da alma dos celtas, que nos surgirão como de força positiva e benéfica, e que esperarão ser assumidas e desenvolvidas até às sua máximas possibilidades pelos portugueses, usando-as no seu ser e estar no mundo, em trânsito histórico e integrando-as assim na sua missão no mundo, como seu dever transcendente a eles particularmente incumbido, intransmissível e justificador da sua vida neste mundo - apontemos antes de mais o seu profundo sentido de liberdade e independência. (…) Seu profundo sentido de liberdade, levando-os outrora em momentos de luta contra esses inimigos, ameaçando essa liberdade, a sacrificarem sua própria vida e de seus parentes,(…) vida vista sem valor se caída em escravidão. (…)

A coragem e desprendimento perante a morte física de seu corpo, advindo aos celtas de sua concepção positiva da morte, como imortalidade da alma; morte vista assim, não como um aniquilamento, um fim da vida mas uma sua continuação noutro mundo, como sua outra fase: esta sendo de posse e usufruição eterna para cada homem. Sentido da morte, que por ela, marcará sua religião dessa dimensão inseparável escatológica; a morte sendo aceite no seu pleno sentido e meditada em confiança, como fase de perfeita realização da vida; esta, una, em metamorfose incessante, recriando-se ciclicamente, sempre em novas formas, de dinamismo por transmutação e regeneração.

Assim, também, o sentido que a morte terá unida ao amor, na cultura dos celtas, e que virá expressada no seu romance de Tristão e Isolda, e ainda na Menina e Moça, dos portugueses, ou em D. Pedro e D. Inês. (…)

E assim, também, o sentido do Outro Mundo, visto e vivido como paralelo, coetâneo e inseparável a este quotidiano e sensível. Este mundo e o outro, esta vida e a outra, fazendo parte duma única realidade a ser vivida em paixão exultante pelo homem; ser ainda este sentido unificante, a um tempo jubiloso e pânico, que marcará a relação do homem com a Natureza; realidade onde se sente imerso, conjuntamente com as plantas, os animais, os rios, as pedras, montes… em união tomando a forma dum incessante diálogo, ou monólogo numa projecção no Outro, e em metamorfoses, esta indo até ao extremo escatológico de metempsicose. (…)

Se ainda e finalmente apontamos esta força da imaginação, como uma das qualidades positivas e benéficas do povo celta, e sua possibilidade de por si apresentar e unir mundos aparentemente opostos, ou no apresentar e mostrar o transcendente e sobretudo o universo como todo vivente, dinâmico -, será para tornar bem presente o contraste da mundividência deste povo e nela a sua arte, com a nossa actual, criada e vivida existencial e teoricamente pelo Ocidente moderno: ela, toda abstracta e fria, unicamente imanente e estática, como expressão dum universo morto, cadavérico”.

Resumindo, o Eng. Sócrates devia ficar cá a aprender.

Dalila Pereira da Costa, “Corografia Sagrada”, Lello & Irmão - Editores, 1993, pág. 194 e seguintes.

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