terça-feira, 14 de junho de 2011
SABEDORIA ANTIGA, 21
A Verdade Única
Alexandra Pinto Rebelo
Os portugueses têm, habitualmente, um terrível tique de pensamento. Esse tique, ou mau princípio, prende-se com o facto de, segundo pensam, existir uma verdade única para tudo.
Esta verdade única, em termos teóricos, não seria má de todo. Trata-se de uma economia de processos. Quem conhecesse alguns princípios únicos saberia como funciona o mundo. E conhecer é, também, dominar.
São conhecidos os confrontos entre “sábios” do nosso cantinho. Tudo serve para esgrimir, com espadinhas de pau, em favor desta ou daquela ideia. Há “duelos” sobre a existência ou não de celtas em Portugal, sobre a “verdadeira” interpretação simbólica da Quinta da Regaleira, sobre a influência templária em Portugal.
Escolha-se um tema, pegue-se numa lupa, e lá encontraremos “sábios” lutando com outros pela “verdadeira Jerusalém”. Estes “sábios” são geralmente acompanhados por pessoas que os incentivam nas suas teses exclusivistas, urrando os seus comentários de apoio. Trata-se de pequenas cortes, com o “príncipe-sábio” no centro que, a terem cor, seriam escarlates, claro.
Em Portugal, pois, com raras excepções, não existe um processo fluido de conhecimento. O que existe é uma anomalia do corpo-pátria semelhante a varicela.
Não acredito que exista uma verdade única para as coisas. Acredito que os objectos e fenómenos são verdadeiros em si mesmos, são Tat, querendo isso dizer tudo e nada. Porém, isso não quer dizer que não possam existir tentativas para serem interpretados. A vivência do amor é diferente do escrever-se sobre o assunto. Mas quer Romeu e Julieta, quer Penélope tecendo de dia e destruindo à noite, são óptimas tentativas para nos aproximarmos do assunto. Não há uma única forma de amar pois isso constituiria um processo mecânico, não sendo, então, amor.
O que eu pretendo dizer é que existem muitas variantes de aproximação às coisas, existem muitas variantes da sua interpretação. O século XX, apesar de toda a destruição que conseguiu deixar nos livros de história, também conseguiu alcançar coisas muito boas. Geralmente é mostrado o desenvolvimento inegável da ciência. No entanto, todas as áreas ligadas ao conhecimento das artes, da cultura, da religião, do conhecimento humanístico, também alcançaram resultados igualmente extraordinários.
O que nós aprendemos com todas essas ideias é que não existe, de facto, uma verdade única para a interpretação das coisas. A terem uma verdade única, essa só poderá ser interpretada através do “silêncio cheio”. Estaremos nós preparados para isso enquanto civilização? Parece-me que não.
Por isso, alegremo-nos por termos Romeus e Julietas, Penélopes e Ulisses e tudo o mais que venha para nos ajudar a interpretarmo-nos como espécie, sabendo que, mais do que um monólito de pedra cerrada, somos uma torre imensa cheia de moinhos de papel, cada um de sua cor.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Um dos belos textos deste blogue.
ResponderEliminarParabéns.
Eduardo Aroso
Agradeço as suas palavras. O meu silêncio tem-se devido a um qualquer problema na net que não me permite enviar comentários.
ResponderEliminarAlexandra Pinto Rebelo