segunda-feira, 1 de junho de 2009
COMO DIRIA O DENIS…
Porto. Inusitado para a época e para o lugar, é o que se pode dizer do intenso calor que se fez sentir na Cidade Invicta no passado sábado, dia 30. Já perto da meia-noite, persistiam 29 graus em plena Ribeira! Universalidades, primeiro número dos Cadernos de Filosofia Extravagante, acabara de ser apresentado no auditório do Clube Literário do Porto, a quem reiteramos a nossa gratidão. Verdadeiramente, a jornada começara à tarde, com uma visita a essa grande senhora do pensamento pátrio que é Dalila Pereira da Costa. Na sua casa da Boavista, a escritora acolheu a comitiva extravagante com a afabilidade que lhe é proverbial e deu-nos conta de um sério problema, sem solução aparente, que a traz muito preocupada: o destino do riquíssimo espólio literário e bibliográfico de Sant’Anna Dionísio, presentemente abandonado na casa que foi do filósofo. Por uma daquelas coincidências que, afinal, o não são (e de que Cynthia Guimarães Taveira nos fala em Universalidades), na véspera, Sant’Anna acabara de ser evocado nesta página, através da publicação de algumas laudas clássicas que consagrou à memória do Porto, terra onde nasceu e morreu. Quererão o Porto e a sua edilidade retribuir-lhe em espécie? À noite, no Clube Literário, esperava-nos uma sala bem composta. Pedro Sinde deu a conhecer o projecto da publicação, explicitando o modo como os Cadernos se inscrevem na tradição portuguesa, num percurso em que os marcos miliários citados foram a revista A Águia, o jornal 57 e os Teoremas de Filosofia. Desenvolvendo a tese da harmonia abraâmica (pela confluência das três religiões monoteístas que formam o pensamento português) e salientando a maneira peculiar dos portugueses olharem para o mundo e para os outros, Pedro Sinde elegeu ainda os aspectos mais relevantes das diversas colaborações que integram Universalidades, e, para deleite dos presentes, concluiu a sua intervenção contando uma lenda islâmica: depois de moldar Adão com o barro, Deus, com um pedaço que lhe sobrara, criou ainda uma palmeira, e, porque lhe continuasse a sobrar um pouco de argila, criou também a imaginação. Como quem conta um conto sempre acrescenta um ponto, Pedro Sinde continuou, inovando: depois de tudo o que Deus criou, sobrou ainda um novo pedaço de argila, com o qual nos foi possível colocar uma palmeira na capa dos Cadernos e dar largas à imaginação para engendrar todo o seu conteúdo. E, coisa espantosa, depois disso, ainda sobejou um pouco de barro, que, presume-se, estará nas mãos de cada leitor… Por outra notável coincidência, também António Telmo havia destinado uma lenda ao auditório. No caso, tratou-se de uma narrativa de origem persa e inspiração gnóstica, que o autor do Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões começou por colocar em paralelo com o relato bíblico do filho pródigo, pelo filósofo associado à palavra extravagante, no sentido de estroina ou perdulário. O Canto da Pérola, assim se intitula a lenda, fala-nos de uma criança, filha de reis, enviada ao Egipto com a missão de para resgatar uma pérola, guardada no fundo do mar por uma serpente temível. Depois de desenvolver a narrativa, e de elucidar o seu fascinante simbolismo (em que a pérola adquire evidente significação espiritual), António Telmo mostrou como cada um dos autores de Universalidades procurou também, com a sua colaboração, recuperar a pérola que perseguia. E, à semelhança do que, no dia 21 de Março, sucedera em Sesimbra, brindou o público com a leitura de um dos dois poemas de Isabel Xavier dados a lume nas páginas dos Cadernos. No domingo, o círculo extravagante derivou para Matosinhos, onde foi acolhido pelo Pedro Sinde e pela Lídia, para um magnífico almoço de convívio. Assim se demonstrava à saciedade o que o anfitrião afirmara na véspera, ao apresentar os Cadernos: estes são feitos por um grupo de amigos. Que, sem o saber, será talvez um bando de anjos, como diria o Denis…
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