(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sexta-feira, 6 de março de 2009

A PONTA DO VÉU, 11

Palavras. Para além das imagens. De Cynthia Guimarães Taveira, de quem já aqui se falou. Para além das ilustrações que brotam dos seus desenhos, há um ensaio da sua autoria no primeiro número dos Cadernos de Filosofia Extravagante. Intitula-se Coincidências e começa assim:

____________
COINCIDÊNCIAS

Há qualquer coisa de absolutamente selvagem nas coincidências. Elas nunca são procuradas e, no entanto, aparecem-nos sem que estejamos à sua espera. São uma espécie de Pã, no meio do caminho, sobressaltando-nos o passo, agitando-nos a alma. Absolutamente imprevisíveis e selvagens, podem estar disfarçadas de uma ordem aparente, são fingidoras que fingem o que deveras são. Se se diz “não há coincidências” o termo é dúbio. Não há coincidências efectivamente ou elas existem tão verdadeiramente que se afirma a sua existência negando-a? O problema está na interpretação da frase e, curiosamente, a língua portuguesa às vezes não é nada traiçoeira, é absolutamente exacta nas segundas intenções que evoca pois, dito desta forma, todas as coincidências carregam consigo o problema da interpretação, tal como a frase que as afirma negando-as. Há coincidências, mas elas de nada valem se não forem interpretadas. E a frase é um convite à interpretação das coincidências do caminho.
A matemática é uma gigantesca coincidência, daí que Einstein tenha dito que Deus, provavelmente, era uma fórmula. A suprema das coincidências. É curioso como os números se compõem e decompõem e geram novos números, e regressam a si, e mostram circuitos e movimentos, e balancés pendulares. É uma coincidência que a matemática exista na espiral de um búzio, na elipse dos planetas, no desregulado rigor da teoria do caos, no desenvolvimento exponencial de uma acção, nas probabilidades de uma lotaria. Se essa gigantesca coincidência que é a matemática está presente nos aspectos mais ínfimos e nos maiores da natureza, quase que se poderia dizer que a vida surge de uma coincidência e nela vive. Mas, ao mesmo tempo, não há coincidências. O acaso de estarmos vivos tem tanto de acaso como não tem nada a ver com ele. É um acaso esta mistura genética que somos ou o lugar onde vivemos e, ao mesmo tempo, não é acaso nenhum, pois temos a percepção do eterno e comportamo-nos como se sempre tivéssemos existido e para sempre fôssemos existir. Não nos estranhamos. Não estranhamos este acaso. E quando estamos neste estado de naturalidade com o acaso que somos, para quê estranhar as coincidências que nos cercam? Para quê sequer interpretá-las? A coincidência, em termos psicológicos, está para o destino como o acaso está para o livre arbítrio.
(...)
Cynthia Guimarães Taveira

1 comentário:

  1. Pois há,seguramente que sim!
    http://geometriadoabismo.blogspot.com/2009/04/o-acaso.html
    Bom domingo!
    jab

    ResponderEliminar