Terá sido em vão
Que ergueste as pedras?
E com elas um povo
Uma coroa de pétalas
E asas de lírio?
As tuas mãos tocaram-nas
Imprimiste quem eras nelas
Deixaste o teu canto gravado
Em conchas, búzios e algas
Em sinfonias de um sonho
Em frutos, anjos
E folhas, folhas de almas
Depuseste no templo o teu castigo
Sublime castigo
Como quem entrega a verdade
Essa pedra de raiz e saudade
Brota de um universo sem idade
Terás chorado sobre essas pedras?
E que socalco terão deixado as tuas lágrimas?
Será essa fenda aí ao lado
Ou aquela outra que ficou na noite?
Terás parado por um instante?
O martelo o esculpro, em silêncio
E em frente ao mar terás ficado
Curvado para cima
À luz de um céu distante?
A cada compasso e régua
Terás medido um sonho em pedra?
E do mesmo modo e ao mesmo tempo
Terás sentido a alegria fraterna?
Essa que afaga os fornos
Dos corações desejados
Essa que encarna diabos
Em anjos mal disfarçados
Terás gozado essa brisa
Pela manhã de quem cedo se ergue?
Ou terás pensado no infinito sol
Que não se apaga, apenas ferve?
Essas cúpulas e torres
Trespassam a linha do céu
São portais para o que não há
Terás passado essa fronteira breve
Deixando o túmulo, a lança e o leme?
Que te embala agora do outro lado?
A missão cumprida num sorriso
Será o teu rosto que vejo agora
Ali, debaixo daquele friso?
Em atenção me pergunto
Se as tuas mãos permanecem em pedra
Será o teu símbolo que me evoca
Ou a chama que esculpiste em demanda eterna?
terça-feira, 31 de março de 2009
EXTRAVAGÂNCIAS, 7
SIMPÓSIOS SOBRE OS TEOREMAS DO «57»
Pedro Martins e a Pátria
segunda-feira, 30 de março de 2009
EXTRAVAGÂNCIAS, 6

II – História e epopeia
por Pedro Martins
Retomemos o convívio do triunvirato insigne. Se Pascoaes foi o poeta da Renascença Portuguesa, e Leonardo o seu filósofo, nela terá sido Cortesão o historiador. Antevejo a perplexidade que se apodera do leitor. Nos anos que, de imediato, antecederam a fundação do movimento portuense; ou nos subsequentes, primordiais, em que tal movimento fulgurou – aqueles em que, na verdade, Jaime Cortesão ali desenvolveu intensa militância –, a sua produção literária foi, primeiro, poética; e, depois, teatral; mas não propriamente historiográfica. Há ainda, nesse período, um livro de contos, D’Aquém e d’Além Morte, editado precisamente pela Renascença em 1913, e porventura insuficiente, por isolado, para que se lhe possa fazer corresponder um veio saliente no corpus bibliográfico do autor de Divina Voluptuosidade. Dito isto, forçoso será concluir que as primícias dos seus estudos históricos coincidem sensivelmente com o dealbar do período em que o iremos encontrar à frente da Biblioteca Nacional (1919-1927), ou pontificando na direcção da revista Seara Nova, criada em Outubro de 1921. (...) ler mais
PALAVRAS QUE FAZEM VER, 7
[Álvaro Ribeiro e a filosofia extravagante]

“A sofia é o conhecimento especulativo do absoluto; resulta da actividade criadora da razão que vence infinitamente a pluralidade mortífera e polémica. A filosofia é o esforço para esse conhecimento.
A reflexão filosofal pode ser exercida pelo pensador solitário, fora da disciplina cultural, e conduzir até uma indagação fecunda pelas regiões espirituais ainda pouco exploradas; mas a validade de tal empreendimento arbitrário será referida a uma doutrina mais exigente de firmeza e de objectividade. Como ciência, saber sistemático e comunicável por conceitos, a filosofia dificilmente se expande fora do ambiente esotérico que lhe é próprio. O pensamento filosófico depende elasticamente do respectivo ensino acroamático; é a escola que dá vida – corpo e alma – à tradição espiritual, que a alimenta e regenera, que a medicamenta até com os produtos heterodoxos da meditação extravagante.”
(excertos retirados de O Problema da Filosofia Portuguesa, Inquérito, 1943)
domingo, 29 de março de 2009
AMANHÃ
NA PRÓXIMA SEXTA-FEIRA

Colóquio. Quinze anos passados sobre a morte do autor de Reflexão, o Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e a Associação Agostinho da Silva promovem um colóquio comemorativo da efeméride na Faculdade de Letras de Lisboa. É no próximo dia 3 de Abril, a partir das 10 horas. Para ler o programa, clique na imagem do lado esquerdo de modo a ampliá-la. Nesse dia, os Cadernos de Filosofia Extravagante associam-se à iniciativa. Alguns dos seus colaboradores irão estar presentes na Faculdade de Letras e, aqui no blogue, será publicado o texto, ainda inédito, da palestra que António Reis Marques - um dos bons amigos que o Professor Agostinho tinha em Sesimbra - proferiu em Setembro de 2006, por ocasião do centenário do filósofo.
OS POETAS LUSÍADAS, 3
GOMES LEAL
Sagra, sinistro, a alguns o astro baço.
Seus três anéis irreversíveis são
A desgraça, a amargura, a solidão.
Oito luas fatais fitam no espaço.
Este, poeta, Apolo em seu regaço
A Saturno entregou. A plúmbea mão
Lhe ergueu ao alto o aflito coração,
E, erguido, o apertou, sangrando lasso.
Inúteis oito luas da loucura
Quando a cintura tríplice denota
Solidão, e desgraça, e amargura!
Mas da noite sem fim um rastro brota,
Vestígio de maligna formosura:
É a lua além de Deus, álgida e ignota.
Fernando Pessoa
PALAVRAS QUE FAZEM VER, 6
“Dir-se-á que a poesia é mais obra do coração do que do cérebro, mas este juízo precipitado é quase sempre formulado pelos poetas líricos, para os quais a obra de inteligência, ou filosófica, lhes parece sempre com o aspecto frio da poesia didáctica. A imagem primordial do poeta lírico é o próprio eu, a personalidade do autor, que irrompe claramente no alvor da adolescência, com seu nítido narcisismo, masculino ou feminino. Tal poesia se reconhece pelas imagens mais ou menos alusivas aos prazeres da alcova, no tom elegíaco dos desejos frustrados ou no tom hínico das vitórias logradas.
A poesia de solidão, de soledade, de saudade, tende a diluir-se na sequência da experiência humana, e em breve o poeta lírico há-de reconhecer o convívio social ou a presença interrogante do Universo. A sensitividade não basta à expressão, ela impõe os seus direitos. O pensamento do poeta passa do grau subjectivo para o grau objectivo.

A descoberta do outro eu, ou de alguém que procura a visitação da musa, atinge uma consciência lúcida de que o poeta não é o só, nem o eu. A dialéctica torna-se dramática, personaliza-se e personifica-se, marcando o desejo do teatro, onde tudo pode ser fingimento ou máscara. Toma o artista a consciência do mal, do mal que nos aflige, e de que sofremos, ou do mal que aflige os outros, e de que nos rimos, deixando na equação uma incógnita a que se dá o nome de o problema de Deus.
A epopeia é já a narrativa poética do divino, nominado ou inominado, mas de literatura propensa para a inserção ou encarnação no humano. Assim interpretamos os poemas épicos, sem excluir Os Lusíadas de Luís de Camões. Descobrir ou revelar o divino, ou o seu sucedâneo, no poema épico, é sempre como discernir a incógnita das valências e das equivalências expostas na equação.
Desta tripartição evolutiva dos géneros poéticos, não ensinada nas escolas literárias, merecia-me especial atenção e agrado a forma e a matéria do soneto. Com efeito, esta maravilhosa miniatura parecia-me de todos a mais apropriada para receber o silogismo, quando o sentimento é dominado pelo pensamento. A poesia portuguesa, tão feliz como a italiana na produção de sonetos, de Sá de Miranda a José Régio oferece uma longa galeria de artistas que asseguram a glória de uma literatura.
A influência da cultura católica e do culto cristão, sendo preponderante entre nos, facilita a temática habitual de poetas menores que por sonetos confessam o seu devocionário. A crítica literária saberá distinguir o ouro e o latão, a autenticidade filosófica e a imitação religiosa. Exemplo notável é o de Antero de Quental que, em seus sonetos mais sinceros, escreveu filosofia superior à das prosas que ressoavam como informação feliz acerca de doutrinas correntes no estrangeiro.
Era-me particularmente grata a beleza do dulce stilo nuovo, em boa hora importado da Itália. A leitura do Convito de Dante, em que os sonetos são seguidos de comentários filosóficos, foi para mim um primeiro exercício de interpretação, exegese e hermenêutica. Assim procurei ver em cada soneto um silogismo, como ensinou o discípulo de Aristóteles, e ainda que o não encontrasse, dava por bem aplicada a lição suavíssima de Dante:
Ó vós que gozais de intelecto são,
Mirai a doutrina que se esconde
Debaixo do véu de tão estranhos versos.”
Álvaro Ribeiro (in Memórias de um Letrado, Guimarães, 1977)
sábado, 28 de março de 2009
OS POETAS LUSÍADAS, 2
S. FRANCISCO DE ASSIS
S. Francisco de Assis falava, outrora,
Aos animais, às flores, triste e só…
Se tudo quanto vive, sofre e chora,
É a mesma alma eterna e o mesmo pó!
E, por isso, ele tinha pena e dó
De tudo quanto doira a luz da aurora,
E não bebeu, no poço de Jacob,
Aquela água de vida redentora.
Ó lobos, meus irmãos! Irmãs ervinhas!
Irmãs pedras! Ó fontes pobrezinhas!
Ó ventos, meus irmãos, em doida guerra!
Quanto vos amo em Deus! E sinto bem
Que esta terra, que eu beijo, é nossa mãe
E que a sombra de Deus anda na Terra!
Teixeira de Pascoaes
PALAVRAS QUE FAZEM VER, 5

“A revista A Águia, que eu fui lendo, comprando e coleccionando, publicou alguns dos mais belos sonetos de poetas portugueses. Desde Gomes Leal até Júlio Dantas, – se me é lícito dizer os extremos desta escala de valores, – se situam em trono muitos sonetistas de variados dons e de diversas tendências. Eram para mim os sonetos de Teixeira de Pascoaes aqueles que estavam mais perto da perfeição sólida, geométrica ou matemática, pelo que os estimava intelectualmente muito mais do que os longos poemas que são Maranos e Regresso ao Paraíso, ou do que as poesias difusas das Sombras.”
Álvaro Ribeiro
(in Memórias de um Letrado, I, Guimarães, 1977)
sexta-feira, 27 de março de 2009
OS POETAS LUSÍADAS, 1
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
Começa de servir outros sete anos,
dizendo: - «Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.»
Luís de Camões
quinta-feira, 26 de março de 2009
ANOTAÇÕES PESSOAIS, 3
Consta da tradição chinesa que, um dia, tendo um dos seus discípulos perguntado a Confúcio o que faria se mandasse, o velho sábio respondeu: «Rectificava os nomes».
Lembro-me muitas vezes desta frase de Confúcio, proferida há 2500 anos, porque me vejo muitas vezes confrontado com o mesmo desejo imperioso. Deve ser um dos sinais destes tempos: os nomes estão cada vez mais trocados, adulterados, gerando confusões na linguagem que deveria ser meio de comunicação – termo que agora aparece substituído por «interacção», ou seja, as pessoas deixaram de comunicar entre elas, passando simplesmente a «interagir»... Há muitas formas de se ser bárbaro e, tal como aconteceu com o antigo Império Romano, os bárbaros há muito que atravessaram as fronteiras.
Rectificar os nomes: eis a tarefa essencial. Por isso, desde há muito tempo, tenho o costume de ler sempre com o lápis na mão ou à mão. Certa vez descobri que o George Steiner costuma fazer o mesmo, tendo mesmo afirmado que «o judeu é aquele que lê com um lápis na mão, corrigindo as gralhas.»
Seja como for, a verdade é que leio sempre com o lápis a postos para sublinhar e anotar o que vale a pena e também para corrigir constantemente o que encontro mal escrito. Aconteceu agora com um livro aliás magnífico, «Breviário Mediterrânico», do ensaísta croata Predrag Matvejevitch, acabado de reeditar pela Quetzal. Uma obra em que o autor, viajante incansável desse mar que é também nosso, acentua que «a Europa nasceu no Mediterrâneo», lugar de todas as misturas, as das gentes e as das coisas, das ideias e das culturas. Um lugar (digo eu) que nada tem a ver com Bruxelas ou Estrasburgo, por exemplo, e onde nunca houve uma «moeda única» (como se fosse o único valor que poderia unificar os europeus...)
Acontece que, várias vezes, ao longo do livro, aparece escrito «deserto do Sara» -- forma bárbara e absurda imposta pelos revisores tipográficos, tal como, aliás, consta agora dos dicionários. Ainda não há muito tempo que se escrevia «deserto do Sahara» ou «Sahará»; depois, de repente, alguém (certamente iluminado por uma lâmpada de néon) lembrou-se de transformar esse nome em «Sara». Sem se lembrar (ou sem saber) que Sara é o nome de uma das matriarcas da Bíblia, mulher de Abraham e mãe de Isaac; que Sara nunca andou por aquele deserto nem lhe deu o nome; que Sara é um nome feminino e que, portanto, nunca se poderia escrever «do Sara»...
Mas já que falamos de Sara, e de rectificação de nomes, tenho uma proposta a fazer aos meus colegas colaboradores dos «Cadernos de Filosofia Extravagante»:
Neste primeiro número, encontrei várias vezes escrito «abraâmicas». O que só faz sentido se adoptarmos de uma vez por todas o nome original: Abraham (e não «Abraão», que tão mal soa mas que aparece assim grafado nas traduções-traições correntes da Bíblia). Abraham, sim, e com o h que transcreve a letra hê que Deus inscreveu no nome original Abram – e que as edições Serra d’Ossa, aliás, tomaram para si como sinal distintivo. Mais uma razão para não nos esquecermos dessa letra essencial, que designa o feminino, a direcção, o questionamento, mas é também o artigo definido, o que particulariza o objecto ou o indivíduo. E corresponde ao número 5, o número mediano, o do equilíbrio do processo em curso. E corresponde igualmente ao chamado quinto dia da Criação, o da fecundidade, da multiplicidade das espécies vivas. É depois da mudança do seu nome, com a introdução do hê, que Abraham vai gerar Isaac, viver a aliança divina e pô-la completamente em prática, ao longo de uma vida sempre marcada pelas (dez) provações. E em Abraham se concretiza, finalmente, o projecto divino para o Homem, que Adam e os outros não souberam cumprir. Emmanuel Lévinas escreveu: «Todos os homens verdadeiramente humanos são descendência de Abraham.»
E já agora, para sermos rigorosos devíamos igualmente escrever Sarah (como a artista Sarah Afonso assinava os seus quadros), porque também Sarah, que se chamava inicialmente Saray («minha princesa»), mudou de nome – passando a incluir o hê de YHVH (repare-se que o Nome impronunciável inclui dois hê, mas também o Y (yod) de Saray...)
Tudo isto tem a ver com a questão dos nomes. Em termos bíblicos, sempre que alguém vê o seu nome alterado, sofre uma mudança de destino, de projecto pessoal, de acordo com a vontade divina. No caso de Abram, «pai elevado», passa a ser chamado Abraham, «pai de uma multidão de povos». Nada disto é um acaso ou uma insignificância; pelo contrário, tem uma relevância simbólica fundamental. Por isso, escrever «Abraão» ou mesmo «Abraam» é completamente diferente de Abraham.
Rectifiquemos os nomes – assim ajudamos a reparar o mundo.
Já agora fica aqui a referência do melhor estudo que conheço sobre a figura de Abraham:
«Abraham – ou la recréation du monde», de Raphaël Draï, ed. Fayard, 2007. Obra que esclarece totalmente as questões aqui levantadas.
quarta-feira, 25 de março de 2009
UMA MÁ NOTÍCIA
Desinteresse. Ver a imagem de Isaac Abravanel reproduzida num selo estrangeiro, associada à comemoração dos 500 anos da descoberta da América por Cristóvão Colombo, pode dar a exacta medida do desinteresse a que os portugueses votam um dos seus maiores. Mas há quem o lembre: António Carlos Carvalho e Luís Paixão, nos escritos com que colaboram em Universalidades, primeiro número dos Cadernos de Filosofia Extravagante, e Abdel Hayy, numa entrada do já imprescindível blogue que é O Lugar da Alma.
UMA BOA NOTÍCIA

terça-feira, 24 de março de 2009
EXTRAVAGÂNCIAS, 5

por Cynthia Guimarães Taveira
segunda-feira, 23 de março de 2009
LISBOA, 22 DE MARÇO
SETÚBAL, 21 DE MARÇO
SESIMBRA, 21 DE MARÇO
domingo, 22 de março de 2009
LISBOA, 22 DE MARÇO

SESIMBRA, 21 DE MARÇO
Lançamento. “Universalidades”, o primeiro número dos Cadernos de Filosofia Extravagante, foi lançado ontem à tarde na sala polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, e a apresentação desta publicação não-periódica da Serra d’Ossa Edições esteve a cargo de três dos seus colaboradores: Luís Paixão, Isabel Xavier e Rodrigo Sobral Cunha. Com uma assistência que rondou a meia centena de pessoas, a casa encontrava-se praticamente cheia, o que, de resto, vem sendo hábito sempre que ali têm lugar iniciativas da filosofia portuguesa. Compreende-se que assim seja, quando nos recordamos de que a ligação do movimento ao velho burgo piscatório remonta aos já distantes anos quarenta do século passado, quando António Telmo e Orlando Vitorino, ainda jovens, foram viver para Sesimbra e travaram amizade com Rafael Monteiro. Também Agostinho da Silva, Álvaro Ribeiro, Afonso Botelho e Jorge Preto ali passaram, com maior ou menor regularidade, temporadas de lazer e descanso.
Luís Paixão, que deu início à sessão, fez notar que este novo projecto é fruto do magistério de António Telmo, e não deixou de salientar alguns dos traços essenciais da filosofia portuguesa: trata-se de um livre pensamento deísta, que procura conciliar a revelação e a razão, tendo sempre presente a herança das três religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo). Segundo o mesmo Luís Paixão, esse traço harmónico está patente em boa parte dos artigos que integram este primeiro número dos Cadernos, revelando a existência de um “corpo de pensamento”.
A par do ensaio, a poesia é uma presença com relevo na nova publicação, onde são dados à estampa notáveis poemas de Avelino de Sousa e Isabel Xavier. Tal circunstância, aliada ao facto de ontem se ter comemorado o Dia Mundial da Poesia, deu o mote a Isabel Xavier, que nos falou da dimensão poética que perpassa o primeiro número dos Cadernos. Não só pela produção literária que neles se dá a conhecer, mas também pelo modo como certos escritos põem em evidência o diálogo fecundo que a filosofia pode estabelecer com a poesia – trata-se, de resto, de um aspecto fundamental do pensamento português. Baseando-se na sua experiência de escritora, Isabel Xavier abordou ainda o mistério da criação poética: “Há palavras que se escondem por detrás das palavras”, disse.
Depois, foi a vez de o filósofo Rodrigo Sobral Cunha, outro dos colaboradores dos Cadernos, proporcionar aos presentes na sala uma ampla panorâmica das diversas colaborações que ali podem encontrar, levantando a ponta do véu a cada uma delas. Não sem antes, em terra de pescadores, nos oferecer impressiva imagem de fulgor poético, ao comparar os Cadernos com um barco em cujo mastro, ao alto, brilha o fogo de São Telmo, e que navega no “fim do tempo”. E, fazendo notar que o Espírito Santo era referência frequente nos textos publicados, Rodrigo Sobral Cunha confessou, a propósito, sentir-se “em casa”.
Na Biblioteca, a sessão haveria de terminar com a leitura, por António Telmo, de dois dos poemas publicados nos Cadernos. Mas a jornada só ficou concluída depois da plantação simbólica de uma oliveira no Castelo de Sesimbra, junto à casa onde viveu Rafael Monteiro, numa cerimónia presidida por António Telmo e marcada pela intervenção de outro dos colaboradores dos Cadernos: António Carlos Carvalho. O autor de O Triângulo Místico Português chamou a atenção para o facto, sinistro, de, em pleno Inverno, estarem já a deflagrar incêndios florestais: incêndios nocturnos! E, declarando-se monárquico, não deixou, porém, de encarecer a importância da instituição, pela Primeira República, do Dia da Árvore. Depois, retomando algumas das ideias do texto que, na véspera, aqui havia publicado, o orador cativou quantos o escutavam com palavras, de profundo significado filosófico e religioso, alusivas à Árvore. A referência ao carvalhal de Mambrê, onde três anjos beneficiam da hospitalidade deste, permitiu a António Carlos Carvalho estabelecer a ponte com a evocada figura de Rafael, que, durante as décadas em que viveu na casa do Castelo, manteve sempre uma porta aberta aos forasteiros que ali buscavam acolhimento. Não, claro que não! A escolha do dia não foi uma coincidência. Desde ontem, Dia da Árvore, há uma oliveira plantada em sua memória junto à casa onde viveu. Coincidência é ter havido, na noite dos tempos, um lagar de azeite a poucos metros do lugar onde a árvore irá ganhar raízes, algo que só ontem ficámos a saber, pela voz de João Aldeia, Director do jornal O Sesimbrense e autor do blogue Sesimbra, um amigo da filosofia portuguesa que também foi amigo de Rafael Monteiro e que gentilmente nos cedeu as fotografias que agora são publicadas. Hoje, mais logo, em Lisboa, a inquietude prosseguirá o seu caminho.
Em baixo, à esquerda: António Telmo no momento da plantação da oliveira; e, à direita, António Carlos Carvalho, no uso da palavra.
sexta-feira, 20 de março de 2009
ANOTAÇÕES PESSOAIS, 2
Amanhã à tarde, depois da apresentação pública do primeiro número dos «Cadernos», subiremos ao castelo de Sesimbra para plantarmos uma árvore perto da casa que foi a morada de Rafael Monteiro. Porque este sábado se assinala o Dia da Árvore, claro, mas também porque, para nós, esta árvore tem diversos significados.
Plantar uma árvore é muito mais do que um «dever ecológico», um «mandamento verde». Provavelmente, cada um de nós terá razões de coração, muito pessoais, associadas a um gesto destes. Sei que ver plantar uma árvore é, para mim, um voo da memória que me leva até Jerusalém em cujas colinas, por duas vezes, plantei uma árvore, a convite do instituto governamental que trata da reflorestação do país. Mas no fundo de mim havia muito mais do que razões de ordem prática – cada uma dessas árvores transformou-se em laço que me prende a Jerusalém, a cidade de que nunca me esqueço, que habito em sonho e memória, na esperança de ver cumprida a visão de Zacarias.
Na verdade, a árvore faz parte das memórias da minha vida desde sempre: a árvore diante da janela do quarto, como no poema de Régio; o suave murmúrio do vento nas folhas, quando passeava solitário pelas matas (e que depois descobri ser a presença de Deus diante do profeta Elias); a dor dilacerante de uma floresta a arder durante um incêndio de Verão; o odor inebriante das árvores nas ruas do Rio de Janeiro; a sepultura da minha querida gata à sombra das árvores de Monsanto, tal como o túmulo de Menasseh ben Israel no cemitério português de Amesterdão, ele próprio uma pequena floresta com clareiras; as oito colunas da nave dos Jerónimos, erguendo-se para uma abóboda de pedra cujas nervuras parecem ramos de palmeiras – lembrando que a madeira da árvore e a pedra têm ligações físicas e simbólicas, enquanto matéria-prima; e, agora, as árvores frondosas do Jardim da Parada, em Campo de Ourique.
Sim, a árvore esteve sempre ali, à minha espera, interpelando-me silenciosamente.
Sim, a árvore esteve sempre aqui, antes mesmo do início das nossas gerações – que se desenham e desdobram numa árvore genealógica, simbolizada pela árvore de Jessé, o pai de David, início da linhagem messiânica.
A Árvore do Conhecimento do Bem-Mal (assim mesmo, misturados, cujo fruto não é uma «maçã»: fomos enganados por uma má tradução latina – o texto original não indica de que fruto se trata), e a Árvore da Vida pontuam o relato das origens no Jardim do Éden ou das Delícias.
Árvore da Vida, Ets Haim, é também o nome da Livraria (Biblioteca) Montezinos, anexa à grandiosa Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, ambas milagrosamente sobreviventes da barbárie nazi. A Biblioteca é hoje considerada a mais antiga do mundo (fundada em 1616 e em funcionamento desde 1675) e contém tesouros preciosos do pensamento português, à espera de alguém que os estude. Pergunto-me se Sampaio Bruno a terá visitado durante os seus anos de exílio... A Torah é igualmente chamada Árvore da Vida. E não é por acaso que Ets Haim é o título de diversos escritos kabbalísticos.
Ainda na Bíblia, onde a árvore tem mais de 120 referências, encontramos depois o carvalhal de Morê (o da visão e do ensino) e o carvalhal de Mambrê (onde os três anjos beneficiam da sua hospitalidade), ligados com a figura primordial de Abraham; a ama de Rebeca é enterrada sob o carvalho de Bethel, o «carvalho dos prantos».
Os Salmos indicam-nos que o homem justo é como uma árvore plantada junto à corrente das águas, que no devido tempo dá fruto e cuja folhagem nunca murcha. Os Provérbios de Salomão dizem que a sabedoria é uma Árvore da Vida para os que a alcançam, e que o fruto do justo é a Árvore da Vida. Por isso o Zohar insiste que o ser humano é uma árvore cujas raízes retiram a sua seiva do próprio céu.
Para nós, é evidente que a árvore nos lembra o nosso próprio caminho: tal como ela, estamos de pé, entre a terra e o céu, ascendendo sempre. Nem sentados nem deitados nem de joelhos -- de pé, humildemente, ligando o céu e a terra. Árvores de Vida.
Tal como a árvore, temos raízes, aqui, nesta terra, mas a nossa seiva vem do céu: é ela que nos mantém vivos e portadores de Vida.
Tal como a árvore, damo-nos a conhecer pelos nossos frutos, por aquilo que damos, que doamos, ao mundo – e aos outros. Existimos numa relação de dom, não de «poder», ilusão estúpida de uma criatura que se esqueceu dessa mesma condição e de quem a criou. Abraham, aquele em quem se cumpre o projecto inicial da Criação, aquele que inicia uma re-criação da humanidade, encarnou a virtude da hospitalidade, o atributo da bondade. Não é por acaso que o texto bíblico refere a sua relação com as árvores, à sombra das quais instala a sua tenda, lugar da Presença, e que seja à sombra d’A Árvore (a árvore por excelência, da qual todas procedem: a Árvore da Vida) que ele pede aos enviados (Anjos) que repousem.
A nós, falta-nos ainda descobrir a Árvore da Vida, talvez por estarmos tão perdidos na floresta do betão e dos seus espectáculos. Mas, de cada vez que plantamos uma árvore, damos um passo no caminho do reencontro, da Aliança. Asssim contribuímos para humanizar o mundo, completando a sua criação – e a nossa.
Amanhã vamos plantar uma oliveira. Sabemos bem que o ramo de oliveira simboliza a paz – mas não foi Picasso que o «inventou», desenhando-o: o símbolo vem já da narrativa do Dilúvio. Da segunda vez que Noé envia a pomba, ela regressa à Arca trazendo no seu bico um ramo de oliveira com as folhas verdes. E assim Noé compreende que as águas tinham cessado de cobrir a terra. Depois da «tempestade» (suscitada por Deus contra aquela humanidade iníqua) chegava a bonança, anunciada por um humilde ramo de oliveira.
Do seu fruto extraímos o azeite, relacionado com a santidade, isto é, com a separação: o azeite não se mistura, como acontece com os outros líquidos. É utilizado na unção e na santificação dos objectos sagrados, mas também os reis e os sacerdotes recebiam o «óleo de unção», azeite puro. David foi assim ungido três vezes – e, imitando-o, algumas monarquias europeias adoptaram esse mesmo ritual de unção na coroação do novo rei. Recebendo o azeite da unção sobre a sua cabeça, que depois lhes escorria pela barba e pelo resto do corpo, esses reis e sacerdotes eram assim separados dos outros e postos ao serviço de uma causa maior. Messias, Mashiah, significa realmente «ungido».
Mas o azeite é igualmente uma substância que se transforma em luz. Hoje, que só o vemos como tempero, esquecemo-nos de que o azeite esteve relacionado com a luz, a das candeias e lamparinas de azeite, cuja chama pode ser comparada à alma. E, no Hebraico, shemen evoca o radical shem, nome: cada homem distingue-se pelo nome, a escolha do nome é uma eleição; escolha e unção estão ligadas entre si. Recebendo este nome escolhido, somos ungidos para um determinado projecto neste mundo.
A partir de amanhã, e enquanto à nossa volta sobem as águas de um outro Dilúvio, agora desencadeado por uma humanidade desorientada (sem luz), sabemos que, ao menos ali, junto da casa do Rafael, temos um ramo de oliveira, uma esperança de paz, à nossa disposição. Que essa oliveira dê fruto e que nós saibamos ainda acender a candeia da nossa alma.
quinta-feira, 19 de março de 2009
EXTRAVAGÂNCIAS, 4
por António Telmo*
Por volta dos anos 70, do século passado já se vê, o castelo de Sesimbra tinha como seu senhor um grande solitário que, como todos que sabem envolver-se de mistério no silêncio e na solidão, atraía irresistivelmente a visitá-lo todos quantos, “ansiosos de espírito”, tinham notícia dele. Por ali passaram a conversar com Rafael Alves Monteiro poetas, pintores, filósofos, toda a espécie de “extravagantes” e também muita mulher bonita. De todas, a mais belamente mágica e a mais inteligente foi Natália Correia. Trouxe consigo a habitual corte de admiradores e apaixonados.
Ali esteve muitas vezes António Carlos Carvalho. E ali vinha, sempre que visitava Portugal, o famoso filósofo francês Georges Gusdorf. Trouxeram-no Orlando Vitorino e José Marinho, seus companheiros na procura da “substantífica medula” do mundo. Lembrarei outros nomes prestigiados: Lima de Freitas, António Quadros, Afonso Botelho, Francisco Sottomayor, Almada Negreiros e Agostinho da Silva, todos já falecidos. Quem estiver atento, de visita ao Castelo, na alta noite silenciosa ainda os poderá ouvir conversar.
Ora aconteceu que, por volta dos anos 70, Hernâni Roque, um dos grandes amigos do grande solitário, esteve à frente da direcção d’O Sesimbrense e, sem que em nada alterasse a excelente fisionomia tradicional do nosso periódico, abriu as páginas centrais à colaboração de tão ilustre gente. Basta lembrar, para marcar a importância da iniciativa, que nelas se publicaram um poema de José Régio, o nosso maior poeta português de então, e uma entrevista com Álvaro Ribeiro, o nosso maior filósofo de sempre.
Por esses mesmos anos, realizaram-se na Biblioteca Municipal, por iniciativa do autor destas linhas, uma série de conferências que, ao tempo, tiveram grande repercussão, sobretudo popular. Destas conferências lembrarei a do grande oceanógrafo Clostermann que veio a originar todo o movimento à volta da criação de um parque marítimo; a de Agostinho da Silva, simulando falar da Grécia antiga, quando aquilo de que estava mesmo falando era do Portugal político e das suas misérias; a de António Quadros repassada de espiritualidade messianista; a de Rafael Alves Monteiro contra as construções titanescas e insectiformes que estavam desfigurando Sesimbra.
Quando recordamos agora que O Sesimbrense chegou a ser apontado na televisão como um periódico fascista precisamente por causa da colaboração que venho referindo, não podemos deixar de observar, à luz do que passo a contar, quanto os políticos não sabem o mal que fazem quando se metem a julgar aquilo que mentalmente os ultrapassa.
O que passo a contar é o seguinte:
Os representantes do Estado na Câmara Municipal de Sesimbra, alarmados com o êxito das conferências, desconfiados com o tom e o teor das comunicações, vão de pensar que era preciso evitar que perigosos pensadores de esquerda falassem livremente com o povo de Sesimbra. Não me deixaram convidar mais ninguém e impuseram-me um conferencista por eles escolhido. Ora era regra por mim estabelecida, a fim de evitar o aborrecimento dos ouvintes, que os oradores não podiam ler discurso escrito, mas deviam sim falar livremente de improviso. Para tanto é necessário coragem, inteligência, imaginação e entrega a Deus.
Aquele que nos foi imposto leu seus papéis e lá fomos aguentando que passasse infindavelmente as folhas até respirarmos de alívio. Este mau hábito de ler quando se fala para o público foi banido do Brasil, onde me aconteceu ver esvaziar-se uma sala cheia de ouvintes logo que o orador pegou nos papéis. O que aconteceu em Sesimbra foi bem mais interessante. Terminada a leitura, seguiu-se o colóquio com perguntas e respostas. Um pescador ergueu o braço pedindo a palavra:
- Diga-me lá! Foi o senhor que escreveu isso?
Respondeu o conferencista: - Então quem havia de ser?
E o inteligente homem do mar: - Eu é que sei?! Pode muito bem ter sido outra pessoa. Como podemos ter a certeza que foi v. que escreveu isso?
*Primeiro Director da Biblioteca de Sesimbra.
quarta-feira, 18 de março de 2009
A PONTA DO VÉU, 17
António Telmo nasceu em Almeida em 2 de Maio de 1927 e vive há muito em Estremoz. Passou a infância em Arruda dos Vinhos e a juventude em Sesimbra, onde foi o primeiro director da Biblioteca Municipal. Na Lisboa dos anos 40 conhece Álvaro Ribeiro e José Marinho, os dois mestres que o iniciam na demanda filosofal. Em meados dos anos 60, a amizade com Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva leva-o até Brasília, onde será professor universitário, ainda antes de completar a licenciatura em Filologia Clássica na Faculdade de Letras de Lisboa. Pelo meio, ficam a criação, com os seus condiscípulos, do jornal 57 (título que, de alguma sorte, definirá a sua geração no seio do movimento da Filosofia Portuguesa), e a edição, em 1963, do seu primeiro livro, Arte Poética, onde, no dizer de Luís Paixão, “estão inscritas as premissas daquilo que virá a ser o plano da obra futura: que a literatura iluminada pela filosofia é um instrumento operativo de iniciação, ou seja, de evolução da humanidade no plano do espírito”.
Em 1972, é convidado pelo Ministério da Educação para ir fundar e dirigir a Escola Secundária do Redondo, cargo cujo exercício lhe causou alguns dissabores, por nomear docentes que se opunham ao regime. O Ministério tentará dissuadi-lo, não conseguindo, contudo, os seus intentos. Depois do 25 de Abril, e a par de uma carreira profissional dedicada ao ensino liceal, o escritor irá publicar, com alguma regularidade, uma série decisiva e impressionante de obras pioneiras no panorama filosófico e cultural português, como são os casos de História Secreta de Portugal (1977); Gramática Secreta da Língua Portuguesa (1981); Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões (1982); Filosofia e Kabbalah (1989); O Bateleur (1992); O Horóscopo de Portugal (1997); Contos (1999); Viagem a Granada (2005); Congeminações de um Neopitagórico (2006) e A Verdade do Amor (2008).
Em 2003, os amigos consagram um volume ao estudo da sua obra: António Telmo e as Gerações Novas; e em 2007, assinalando o seu 80.º aniversário, reúnem-lhe a obra poética num livrinho intitulado A Hora de Anjos Haver.
Falar de António Telmo, patrono do projecto editorial da Serra d’Ossa e mentor dos Cadernos de Filosofia Extravagante, envolve sempre o risco de se dizer de menos e o perigo de falar com menor acerto. Apesar do muito que fica por dizer, algo se pode, no entanto, acrescentar, ainda pela voz de Luís Paixão:
“Senhor de uma sólida cultura clássica, fiel à filosofia e à tradição portuguesas, leitor de René Guénon e Julius Evola, estudou o esoterismo das três tradições do Livro Sagrado: a judaica, a cristã e a muçulmana, numa preocupação de descoberta da sua essencial unidade, portadora da esperança do Quinto Império, dito do Espírito Santo.
Patriota convicto e corajoso, conforme é demonstrado pelo conteúdo dos seus livros, desenvolveu um estilo que refere o patente para dizer o oculto, levando subtilmente o leitor a colocar-se num plano de atenção que o confronta com esse profundo mistério que é a realidade sobrenatural do ser humano.
Sempre gratuitamente disponível para uma boa conversa e paciente para com a ignorância dos seus interlocutores, desde que genuinamente interessados na verdade, António Telmo promove há vários anos tertúlias nos locais onde viveu, exercendo um magistério que assenta nos princípios de que a fé em Deus é decisiva, de que a verdade está acima dos indivíduos e de que o “saber ouvir” é condição para “saber dizer”.
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A IDENTIDADE RELIGIOSA DE LUÍS DE CAMÕES
René Guénon nunca fala dos portugueses, mas, como muitos outros textos seus, este, que recolhi do seu famoso livro O Rei do Mundo, está intimamente ligado connosco. No âmbito do que me propus tratar neste primeiro caderno de filosofia livre, abre caminhos insuspeitados no sentido de determinar a verdadeira identidade de Luís de Camões.
É assim como se segue:
“Na Idade Média havia uma expressão, na qual os dois aspectos medulares da autoridade (régia e sacerdotal) se encontravam reunidos de uma maneira digna de nota. Nessa época falava-se muitas vezes de uma região misteriosa a que se chamava “o Reino do Preste João”. Era no tempo em que o que se poderia designar como a “cobertura exterior” do Centro Supremo era formado numa boa parte pelos Nestorianos (ou o que se convencionou chamar assim com razão ou sem ela) e os Sabeus. E eram estes, precisamente, que davam a si mesmos o nome de “Mendayyeh de Yahia, isto é, “discípulos de João”.”
Em nota ao que vem dizendo, o ilustre francês informa que “se encontraram na Ásia Central, e particularmente na região do Turquestão, cruzes nestorianas que, como forma, são exactamente semelhantes às cruzes da cavalaria.”
Mais adiante, esclarece o que deixou atrás: “Para que ninguém se admire da expressão “cobertura exterior” que viemos de empregar, deve ter-se em atenção, efectivamente, que a iniciação cavaleiresca era essencialmente uma iniciação de Kshatriyas (Guerreiros), o que explica, entre outras coisas, o papel preponderante que aí representa o simbolismo do amor.”
Começa já a desenhar-se a figura guerreira do poeta de Amor Luís de Camões. Esta relação com o texto não terá nada de surpreendente quando nos lembrarmos que os nestorianos na Ásia eram os cristãos de São Tomé, de São Tomé a quem o poeta dedicou nada menos do que doze estrofes d’Os Lusíadas.
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António TelmoAMANHÃ E SEXTA-FEIRA
terça-feira, 17 de março de 2009
A PONTA DO VÉU, 16
Luís Paixão nasceu em Lisboa em 16 de Fevereiro de 1953. Pertence há cerca de 30 anos ao grupo da Filosofia Portuguesa, num convívio que o fez conhecer Álvaro Ribeiro e António Telmo. Nos últimos anos, tem estado ligado, neste âmbito, à realização de diversos colóquios.
Arquitecto de profissão, exerce a sua actividade em Sesimbra, como profissional liberal, desde 1981. Formado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, nela completou ainda um curso de pós-graduação na especialidade de conservação e recuperação de edifícios e monumentos. Presentemente, é doutorando na Universidade do Minho, preparando uma tese sobre “Estruturas Manuelinas”.
Foi professor do ensino secundário e professor auxiliar convidado no departamento de Arquitectura do pólo de Setúbal da Universidade Moderna, onde, para além do exercício das suas funções docentes na área da Geometria e, posteriormente, do Projecto, desempenhou ainda o papel de secretário do departamento, bem como o de coordenador nos anos lectivos de 2002/2003 e 2003/2004. Entre os trabalhos finais do curso de Arquitectura que ali supervisionou ou orientou, destacam-se o projecto de execução do núcleo museológico “Casa do Mineiro – Mina de S. Domingos”, bem como trabalhos relativos ao Convento de Jesus, em Setúbal, e ao Convento da Arrábida.
É autor de A Pedra que Fala, monografia sobre o Convento da Arrábida publicada em colaboração com a Fundação Oriente, e com a ACEUPE - Associação Cultural para o Estudo da Arquitectura, Urbanismo e Património Edificado, a que preside. Privilegiando os estudos de arquitectura, urbanismo, estética e simbologia, tem ampla colaboração dispersa por publicações periódicas como Diário de Notícias, Sesimbra Eventos, O Sesimbrense, O Setubalense e Teoremas de Filosofia. E é um dos introdutores do kiudo - tiro com arco japonês em Portugal.
Preâmbulo
segunda-feira, 16 de março de 2009
domingo, 15 de março de 2009
A PONTA DO VÉU, 15
Pedro Sinde nasceu no Porto em 1972. Ali, na Faculdade de Letras, se formou em Filosofia. Presentemente, vive em Matosinhos e é bibliotecário na sua terra natal. Tem andado pela filosofia portuguesa desde 1997, altura em que conheceu António Telmo em Estremoz. De lá para cá tem procurado compreender a especificidade portuguesa no seio da Tradição universal.
Dirigiu, com Joaquim Domingues, a revista Teoremas de Filosofia (Porto, 2000-2005), na qual publicou vasta colaboração. Traduziu um pequeno ensaio biográfico sobre Julius Evola, Evola de Jean-Paul Lippi. Prefaciou edições da Teoria Nova da Antiguidade, de Sampaio Bruno, para a INCM, e da Mensagem, de Fernando Pessoa (preservando a grafia original deste livro), para a Porto Editora. Integrado no volume António Telmo e as Gerações Novas (Hugin, 2003), publicou o ensaio “Deambulações em Torno de Filosofia e Kabbalah”.
É autor dos livros O Velho da Montanha - A Doutrina Iniciática de Teixeira de Pascoaes (Hugin, 2000); Terra Lúcida – A Intimidade do Homem Com a Natureza (Pena Perfeita, 2005); A Montanha Mística / Cartas da Prisão (Terras de Fogo, 2007); e, na Serra d’Ossa, em 2008, d'O Canto dos Seres: Saudade da Natureza.
HARMONIA ABRAÂMICA: O TRIPLO ANEL OU A HERANÇA DE PORTUGAL
(...)
3. O legado de Álvaro Ribeiro
UM LIVRO, UMA ÁRVORE...
quarta-feira, 11 de março de 2009
A PONTA DO VÉU, 14
Hermenêutica. Foi o que Pedro Martins procurou fazer ao Jesus Cristo em Lisboa, tragicomédia em sete quadros que Teixeira de Pascoaes escreveu em parceria com Raul Brandão, e que veio a lume no início de 1928. O resultado será, porventura, surpreendente: por detrás da aparente ortodoxia da peça, emerge uma cristo-angelogia que evoca a heresia de Prisciliano e o judeo-cristianismo dos três primeiros séculos da nossa era, que foi o da primitiva Igreja de Jerusalém, reunida em torno de Tiago, o Justo, e também o do ebionismo. Deixa-se ao leitor o começo do artigo.
Pedro Martins nasceu em Lisboa, em 22 de Janeiro de 1971, dia de São Vicente. Vive actualmente em Sesimbra, na Cotovia. Frequenta a tertúlia de António Telmo, em Estremoz.
Algumas notas sobre o Jesus Cristo em Lisboa
Jaime Cortesão
O Humanismo Universalista dos Portugueses
E no entanto…
segunda-feira, 9 de março de 2009
ABDEL HAYY, IPSIS VERBIS
A PONTA DO VÉU, 13
É verdade que até ao último terço do século XIX a própria historiografia e filosofia positivista – especialmente a académica – renunciava à reflexão em torno da religião, da arte e da poesia marranas. Tornou-se necessário não somente projectar para a primeira cena um novo personagem - o cripto-judeu - mas também demonstrar a intrínseca relação do marranismo com a cultura e o pensamento portugueses, e isto foi realizado por Sampaio Bruno. O desafio consistiu em circunscrever explicitamente (num determinado contexto espácio-temporal e ideológico “avant-garde” do “fin-du-siècle”) os diferentes aspectos sob os quais pode ser considerado sumariamente o problema complexo da fé – o núcleo da individuação religiosa marrana sephardi – relativamente à qual nos limitamos a referenciar paradoxalmente, diríamos, o traçado do chamado catolicismo (que acabou saindo vitorioso) e o mosaísmo (como uma tradição que é transmitida).
Recalcamento
Falámos de um sincretismo (presente no converso) por demais inegável (em uma complexidade contraditória) e também de um quadro psíquico de recalcamento, como mais adiante veremos, que, assim, subsistiu através de gerações (o retorno inelutável do reprimido). Reconhecendo a importância do engajamento marrano – a partir de diversos índices discursivos – poético-narrativos – não deixaremos, contudo, de considerar a dialéctica do infinito do sentido – a redenção pela linguagem. Aqui se torna evidente a urgente necessidade de procurarmos uma via de acesso adequada à determinação do marranismo - a pedra de toque dos comportamentos, das práticas e de um sistema de crenças bastante distintas – tomando em consideração a imagem de si – construída no e pelo discurso. É muito fácil de ver que a escrita e a criação literárias marranas – na sua dis(con)junção – lance de dados – traçou uma linha de demarcação da arte como criptografia metafísica. Seguramente. Trata-se de re(des)velar a (sub)cultura fazendo ecoar a letra e a voz que o anátema – a coerção inquisitorial – fez calar. Neste contexto, o importante é ter em conta que a liberdade se insere na dimensão do imperscrutável.
Alexandre Teixeira Mendes
domingo, 8 de março de 2009
A PONTA DO VÉU, 12
Universalidades. É o título dado ao primeiro dos Cadernos de Filosofia Extravagante, e está bem visível na capa desta nova publicação, não-periódica, da Serra d'Ossa Edições. Reflecte, com notável acuidade, o denominador comum às diversas propostas que aguardam os leitores. O desenho da capa é da autoria do pintor e filósofo Carlos Aurélio.
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Apresentação
Poética (e configurações) marrana(s), Alexandre Teixeira Mendes
A identidade religiosa de Luís de Camões, António Telmo
Harmonia abraâmica: o triplo anel ou a herança de Portugal, Pedro Sinde
Sê, para que tudo seja (o som abstracto), Rodrigo Sobral Cunha
Repensar o problema da filosofia portuguesa, Elísio Gala
Uma heresia de Pascoaes, Pedro Martins