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domingo, 27 de fevereiro de 2011

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 51


Na foto: Moacyr Scliar

António Carlos Carvalho

Morreu um grande escritor e um homem bom -- algo de muito raro, esta conjunção de qualidades.
Chamava-se Moacyr Scliar, tinha 73 anos e era um imenso contador de histórias.

Deixou mais de setenta obras, imagine-se, incluindo romance, contos, biografias, crónicas, tendo conquistado três prémios Jabuti.
Em Portugal, no entanto, só me lembro de lhe terem publicado «O exército de um homem só», «O centauro no jardim», «Max e os felinos» (Caminho) e «A mulher que escreveu a Bíblia» (Livros de Seda). Continuam a não descobrir o livro mais «português» dele, «A estranha Nação de Rafael Mendes».

Filho de pais russos, judeus, que emigraram para o Brasil, Porto Alegre, Moacyr aprendeu com eles a importância de uma boa história -- e bem contada -- para dar sal à vida. Impregnado de tradição judaica, ainda que não praticante, Moacyr conhecia certamente o velho ditado do seu povo, «Deus criou o homem para que este lhe contasse histórias».
E assim fez, toda a vida -- quando não estava no hospital ou no consultório a atender os seus pacientes.

Disse uma vez que gostaria de ter na sua lápide esta frase: «Viveu bastante mas não aprendeu muito». Nada disto acabou por ser verdade, evidentemente…

A sua frase preferida era «Não te expliques e não te queixes». Era na verdade um homem cheio de ironia e muito afável, como comprovei há uns dez anos, quando ele passou por Lisboa e o entrevistei.
Tinha lido quase tudo dele e verifiquei, com agradável surpresa, que aquele senhor alto, de olhos claros, médico respeitável e respeitado pela sua dedicação, excelente escritor louvado pelos seus pares e pelos seus muitos leitores, era afinal um homem simples. Deu-me um abraço no final da entrevista, como se nos conhecêssemos há muitos anos e fôssemos grandes amigos. Um gesto significativo, pelo menos para mim, que confirmou plenamente a impressão que os seus livros me tinham sempre dado.
E isto é tão raro que jamais o esqueci.

Leiam os livros dele, peçam-nos às livrarias, encomendem-nos, e vão ver o que é um escritor e um homem coerente com a sua escrita.

1 comentário:

  1. Devidamente referido:
    http://novaaguia.blogspot.com/2011/03/em-memoria-de-moacyr-scliar.html

    Ainda que com atraso. Tem sido uma semana...

    Abraço

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