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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 100


António Telmo*
Pedro Sinde
António Telmo (1927-2010). Em Estremoz, onde escolheu viver desde 1976, todos o conheciam por Professor Telmo. Os alunos que passaram por ele nunca se esqueceram das suas aulas. Assisti a muitos destes reencontros, enquanto passeávamos no largo de S. João (como insistia em chamar, à antiga, ao largo do Rossio), quando algum desses alunos se cruzava casualmente com ele, saudando-o carinhosamente e relembrando algum dos episódios invulgares que enchem a sua vida; como aquele, por exemplo, de ter desafiado para um “torneio de fisga” um aluno indisciplinado: “quem ganhar, manda na sala”, disse ao aluno. E o Professor ao mesmo tempo que ganhou o “torneio” conquistou o respeito do aluno. Tinha uma pontaria magnífica; por causa disso, em novo chamavam-lhe Guilherme Telmo.
Foi um jogador de bilhar e um caçador exímio; nos últimos anos, porém, sobre a caça, exclamava muitas vezes “como é que eu fui capaz?!…”. Agora, deleitava-se a contemplar nesse mesmo largo os pombos no seu voo circular, “para os fazer viver e já não para os matar”, como me disse numa carta.
Quem o visse no Águias d’Ouro estaria talvez longe de imaginar que escrevia um dos muitos livros que o tornariam famoso: a sua História Secreta de Portugal ou o Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões, a Filosofia e Kabbalah, mais recentemente, a Viagem a Granada ou ainda as Congeminações de um Neopitagórico. O Águias não deixará seguramente de assinalar este facto.
Foi um dos melhores amigos de Agostinho da Silva, que o levou para Brasília com o fim de leccionar na Universidade nascente. António Telmo recordava saudoso esse tempo em que Agostinho da Silva, nos passeios que davam juntos, se punha a sonhar, contemplando um lugar no mato: “aqui ficará um monge cristão, ali um sufi e ali um monge zen”.
António Telmo é um dos expoentes da escola da filosofia portuguesa. Discípulo de Álvaro Ribeiro e José Marinho, imprimiu a este movimento uma originalidade magistral. A direcção do seu ensino ia no sentido de acentuar a ideia de que o pensamento deve fecundar e transformar a vida; a isso chamou, logo no seu primeiro livro Arte Poética, “filosofia operativa”. As tertúlias que orientou tinham sempre esta componente “operativa”, o pensamento tinha como corolário o aperfeiçoamento do comportamento ético, artístico, iniciático.
Outro ponto a destacar do seu ensino é o seu amor a Portugal. Reconhecendo a situação calamitosa que vive Portugal presentemente, nunca deixou, no entanto, de o amar e defender em todos os seus livros: estudou magnanimemente a sua arquitectura, a sua história, a literatura, a filosofia e até a língua.
Sempre procurou, como se pode ler numa nota biográfica que acompanha alguns dos seus livros, “estar de pé sobre a extensa planície, a toda a volta, com a sua sugestão de liberdade e de infinito.”
Morreu um homem livre.
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* Este artigo foi originalemente publicado na edição de 16 de Setembro de 2010 do jornal Brados do Alentejo, de Estremoz. O título que agora lhe foi dado é da responsabilidade do editor.

1 comentário:

  1. «Foi um jogador de bilhar e um caçador exímio; nos últimos anos, porém, sobre a caça, exclamava muitas vezes “como é que eu fui capaz?!…”. Agora, deleitava-se a contemplar nesse mesmo largo os pombos no seu voo circular, “para os fazer viver e já não para os matar.»

    Bastaria este episódio, na expressão “como é que eu fui capaz?!”, para ser elucidativo de estarmos na presença de uma grande alma. Os grandes Homens têm, antes de mais, humildade. Por ela e com ela, podem também chegar ao Conhecimento, se outros factores se fizerem presentes. É o caso de António Telmo. Todos ou quase todos os grandes seres cometeram actos dos quais depois se arrependeram. Bastaria citar um S. Francisco de Assis ou um S. Paulo, este ainda mais paradigmático. Na espiral da Vida, a virtude está bem mais acima do que a inocência. E assim se pode imaginar a ternura e o sentimento que António Telmo teria ao ver os pombos voando livres pelo céu.

    Creio que o verdadeiro e pleno sabor da VIDA está na escolha AMOROSA entre o que pensamos ou cremos ser o bem e o mal, (ainda que, por vezes, a distinção entre um e outro não seja fácil). Mas na subjectividade de cada um, na câmara secreta da consciência individual, há sempre luz.

    Um amigo ainda hoje à tarde, enquanto tomava café com ele, me disse que, na juventude, o pai lhe ensinara que há vidas onde se começa por ser incendiário e depois se acaba por ser bombeiro!

    Um abraço

    Eduardo Aroso

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