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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quinta-feira, 3 de maio de 2012

CARTA ABERTA A PEDRO SINDE
















Por Eduardo Aroso

Carta-aberta a Pedro Sinde sobre a sua comunicação Senhora da Noite – a imaginação divina, no Colóquio «Regresso a Pascoaes» (Sesimbra, 21-4-2012)

Sobre a sua intervenção intitulada Senhora da Noite – a imaginação divina, se não estivéssemos entre pessoas de pensamento, eu diria simplesmente gostei porque gostei, e tudo estaria justificado. Como não é o caso, devo dizer-lhe que fiquei impressionado pelo modo como o Pedro abordou o assunto, isto é, foi um poeta que falou de outro poeta, afinal o poeta que há em (ou que é) Pedro Sinde, e que eu já havia descoberto em O Canto dos Seres. Falou em perfeita afinidade e só assim se compreende o que disse sobre Pascoaes, nomeadamente na ideia da meia-noite, da manhã e da tarde, trazendo o inefável para o plano da comunicação para chegar a todos, é certo segundo a sensibilidade de cada um, porque creio que o que tenha havido no plano da razão terá sido captado, diria, de um modo mais uniforme.

Enquanto o Pedro Sinde falava do profundo sentido criativo que há na meia-noite, eu ia fazendo um certo raciocínio que gostaria de lhe comunicar, pois ele prende-se com outro ponto nuclear que nos motiva a todos e que é a quarta casa do horóscopo de Portugal, feito por Pessoa, e interpretado por António Telmo. Duas ou três palavras prévias para nos situarmos melhor: a 4ª casa (lar, família, ancestralidade, tradição, terrenos, estrutura psíquica ou “alicerces”), portanto uma casa de raízes, escura ou obscura, corresponde à meia-noite, opondo-se à 10ª casa (o meio-dia, a luz, a realização visível, o público, a autoridade instituída, o que é oficial). Eu que há já alguns anos me interesso pela astrologia, nunca havia reparado que se tivermos que associar o que se tem chamado filosofia portuguesa ou tradição portuguesa, será à 4ª casa, dado ser este um Movimento sempre “às escuras” no reconhecimento oficial dos meios académicos e culturais instituídos, assunto que podemos legitimamente atribuir à 10ª casa. Assim, a 4ª casa opõe-se à 10ª, mas o sentido de opor-se reveste-se de aspectos um tanto subtis, como vamos observar de seguida. Vemos assim que a tradição filosófica portuguesa e a filosofia oficial ou académica opõem-se, respectivamente, na mesma proporção e sentido que a 4ª casa do horóscopo se opõe à 10ª.

Mas vejamos o que nos diz António Telmo «Tudo quanto se pensa vaticinar para o futuro deve ser lido no quarto quadrante, com início no Fundo do céu (o nadir do horóscopo), ou seja, a quarta casa» (…) «o quarto quadrante do horóscopo é o oposto do segundo quadrante [ou seja, o que eu disse atrás, a 4ª casa opõe-se à 10ª, sendo que cada quadrante tem 3 casas, portanto a quarta parte da divisão dos 12 signos], aquele que define a época dos Descobrimentos tendo por termo Alcácer-Quibir e os Filipes. No Meio do Céu, ao alto [a 10 ª casa, isto é, o que está bem visível], está o trono simbólico de Portugal onde se sentou, ao findar do signo oceânico de Peixes, D. João, Mestre de Avis». Repare-se que não é só a característica de visibilidade que define a 10ª casa, mas também o apogeu ou máxima realização visível. Assim, na astrologia mundana corresponde, por exemplo, à casa da coroação de um rei ou eleição de um presidente da república; na astrologia pessoal significa o apogeu da carreira profissional.

Telmo contrapõe a este facto da 10ª, o trono do Mestre de Avis, a ascensão do socialismo na 4ª casa, o ponto oposto: «No Fundo do Céu (o nadir do horóscopo), que

corresponde ao ano de 1877, deu-se um acontecimento que, na altura, pode ter passado mais ou menos despercebido, mas que marca a orientação que o quarto quadrante imprime a tudo quanto, no domínio político, se passou até agora e se há-de vir a passar no futuro. Foi a fundação do partido Socialista». Prossegue António Telmo «estas conexões, por relação de opostos (do segundo quadrante com o quarto e das casas entre si, da primeira com a primeira, da segunda com a segunda *, à esquerda e à direita da linha zénite-Nadir) [ou seja a linha que vai da 10ª casa à 4ª] resultam da lei geral que faz do hemisfério inferior e nocturno a projecção, como num espelho em modo inverso, do hemisfério superior ou diurno» (…) prosseguindo o autor citando mais acontecimentos marcantes como exemplos.

Ora, é para as seguintes palavras de Telmo que eu gostaria de lhe chamar a atenção «…resultam da lei geral que faz do hemisfério inferior e nocturno a projecção, como num espelho em modo inverso, do hemisfério superior ou diurno». Se relacionarmos o que o Pedro disse no colóquio, quanto às possibilidades genésicas e primordiais da mística meia-noite em Pascoaes, a hora do caos em que tudo começa lentamente a ganhar forma (qual semente no escuro da terra que só pela manhã se vê), logo constatamos que não só o hemisfério inferior e nocturno é uma projecção, como num espelho em modo inverso, do hemisfério superior ou diurno, como (inversamente) o citado primeiro hemisfério, o nocturno, pode ser o arquétipo digamos assim, do segundo, o diurno ou superior. Ou seja, é a noite que fecunda o dia, do caos vem a obra, para que o dia, por sua vez, deixe o “sémen solar” que não arrefeça de todo a luz nocturna, sem o que haveria escuridão permanente e, consequentemente, morte.

No caso do socialismo (ligado à 4ª casa, segundo Telmo), não é ele que fecunda os acontecimentos luminosos da 10ª, é bem de ver, pelo contrário (por isso se lhe opõe), mas, e também segundo o sentido que o filósofo confere ao socialismo como dissolução total, sabemos que a 4ª casa é um fim e um recomeço, e enquanto recomeço é um útero.

Pelos exemplos apontados, creio que se compreenderá melhor a tal subtileza do sentido do aspecto de oposição astrológica de que lhe falei atrás. Os factores em causa, neste caso, o sentido das casas com os seus acontecimentos, devem sempre ser vistos como uma totalidade mais abrangente pois, por exemplo, nada significa dizer alto sem a noção de baixo, ou frio sem a noção de calor. A 4ª casa, sendo o inferno do horóscopo, no sentido do ponto mais baixo e escuro (rege também aos cemitérios, poços e escavações) é também, como disse, o útero de tudo, pois veja-se que a mãe está relacionada a esta casa e à Lua.

O que eu gostaria é que o Pedro, tomando a sua fecunda exposição do tema acima referido, reflectisse nestas relações, onde a meia-noite em Pascoaes parece ter o sentido uterino que é já a vitória sobre a dissolução ou caos, na liberdade feminina e divina de tudo recomeçar, já para não falarmos da observância dos ciclos. Peço-lhe que não entenda esta minha sugestão como “exortação de mestre” (pois em volta do mestre temos estado), mas de alguém que viu na sua comunicação do dia 21 de Abril, em Sesimbra, uma tremenda relação de Pascoaes com aquilo que podemos ler no horóscopo de Portugal.

* Há aqui um lapso que deve ser entendido mesmo assim, isto é, como lapso, pois António Telmo, até por descrições anteriores, vê-se que conhecia mais que suficientemente o assunto do grafismo do horóscopo. Quando diz que a primeira casa se opõe à primeira, queria dizer que se opõe à sétima, bem como a segunda se opõe à oitava.

Um abraço cordial

Eduardo Aroso

23-4-2012

1 comentário:

  1. Meu caro Eduardo Aroso

    Muito grato pelas suas amáveis palavras. Na verdade, Pascoaes é que é o seu
    interlocutor, pois nele está a intuição fulgurante desse ponto (sem
    dimensão, portanto) - a 'meia-noite' - a partir do qual nasce o ritmo dual
    da marcha cósmica (dia e noite... e todos os pares complementares que são
    mera reverberação dos dois princípios).
    Que as intuições de Pascoaes tenham ressonâncias, como tão bem as viu o
    Eduardo, na astrologia, na história de Portugal e outras, só vem mostrar que
    quanto mais fundas são as intuições poéticas, mais metafísicas são e, por
    isso, mais universais e de maior alcance. As palavras do Eduardo são
    justamente uma ampliação do poema de Pascoaes para locais que não se
    suspeitaria antes do o ler a si.

    Aceite a gratidão do
    Pedro Sinde

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