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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O CAMINHO DO CAMINHO, 22



















"Nudas Veritas" de Klimt

Esquemas III

Cynthia Guimarães Taveira

Klimt pintou este quadro ao qual chamou “Nuda Veritas”, nele colocou uma citação de Schiller: “Se não podes agradar a todos com a tua arte, agrada a alguns. Agradar a todos é mau.”

No mundo esotérico, não será diferente, mas muitas vezes o que acontece é exactamente o oposto.

Quando D. Afonso Henriques, segundo a lenda, teve uma visão em Ourique na qual Cristo lhe apareceu, o nosso Rei teve uma reacção absolutamente improvável. Lembro-me de a ouvir relatada pelo Dr. Abel Lacerda num almoço de convívio e as palavras deste relato ficaram-me gravadas: “Quando Cristo apareceu a D. Afonso Henriques, o Rei, interrogou-o desta maneira: - Então Tu mostras-te a mim que acredito em Ti? Tu devias aparecer àqueles que em ti não crêem!”

Em primeiro lugar estas palavras gravadas na lenda revelam uma intimidade com o divino surpreendente. Na tradição judaica, também Deus é tratado por Tu. No musical “O Violino do Telhado”, aquele pobre pai tem conversas com Deus no qual Este é interpelado quase “de igual para igual”, num equilíbrio de forças invulgar. O mesmo se passou com o nosso rei.

Em segundo lugar, a indignação do rei, mostra acima de tudo uma imensa humildade. Porquê? Porque afinal ele encara a aparição de Cristo como algo muito natural.

No mundo do esoterismo, muitas vezes, passa-se o contrário. Os mundos paralelos tocam-se muitas vezes, muitas mais até do que aquelas das quais nos damos conta, mas frequentemente um acontecimento, ainda muito menos importante do que a aparição de Cristo, é logo motivo para o desencadear de muitas e variadas reacções por parte daqueles a quem o divino foi manifestado (isto quando foi, de facto, o divino a ser manifestado e não se trata de simples ilusão…).

Por uma voz que se ouve, por uma luz que se vê, por uma imagem que surge, imediatamente uma reacção megalómana é desencadeada. Surge uma seita, surge uma igreja, surge um guru, surge um “mestre espiritual”, surge uma “nova via”, um novo sistema filosófico, um novo livro, novos discípulos girando em torno de algo que, se calhar, no início, era apenas pontual e importante somente para a pessoa que viveu tal experiência. Daí a proliferação de seitas, de crenças, de sistemas vários que, ao invés de “acordarem”, “adormecem”, pois tornam os homens submissos a um falso centro.

Outra força adjuvante ao aumento da megalomania e ao equivalente adormecimento tem a ver com os graus adquiridos nas ordens ditas iniciáticas. Há que ter em atenção que as ordens iniciáticas são recentes, aquilo que ensina a tradição é que a sabedoria era passada de Mestre para Discípulo. Como isso se perdeu no Ocidente, surgem muitas ordens com um conjunto de símbolos e e rituais, evocando uma tradição arcaica. Já René Guénon pôs o dedo na ferida questionando se haveria, ou não, influências espirituais em tais ordens. Para quem detém os graus adquiridos a pergunta: “Sofri ou não influência espiritual?” deveria estar sempre presente, de maneira a não confundir o dedo que aponta a árvore com a floresta inteira, porque aqui o risco de megalomania interior é muito intenso, para não dizer quase mortífero, pois no exibicionismo de tais graus, degraus, voltas na espiral, andares, escadarias, etc, dá-se o arrastamento dos outros, normalmente muitos: “Se ele ou ela tem tal grau, então é sábio/sábia, é importante e, sobretudo tem influência”. Entre um grau e a baixa magia, às vezes, não há muita diferença. A pior megalomania é a interior, aquela verdadeiramente secreta em que, tal como a rainha má da Branca de Neve, no segredo dos seus aposentos, olha o espelho e diz: “Espelho meu, espelho meu, existe alguém mais iniciado do que eu?” Porque essa arrasta multidões em jogos de influências que pouco ou nada têm de espiritual.

Quando Klimt apresentou as suas obras num concurso para o mundo académico, com temáticas da justiça, da medicina, etc, foram recusadas. Não foi aceite. Mas as obras permaneceram e, ainda há pouco, passados mais de cem anos, cá em casa, estivemos a admirar um bonito livro onde estavam essas imagens recusadas. Parámos na “Nuda Veritas”. Meditámos sobre a tradução de Schiller. A matéria prima com a qual podemos trabalhar a nossa alma está dentro e fora. Está nela própria e está em tudo o que nos rodeia. Não nascemos livres, mas podemos voar para longe de todas as ilusões e a influência espiritual está, muitas vezes, onde menos se espera…

2 comentários:

  1. “Sofri ou não influência espiritual?”

    De facto, essa deve ser a pergunta feita por quem diz que detém determinado saber, por quem diz possuir este ou aquele grau. A reflexão pessoal deve ser tão profunda como possível a cada um, questionado determinados aspectos,como, sejam:

    a)Sou uma pessoa melhor para os que me cercam?
    b)Tenho mais sensibilidade e discernimento e tenho sido capaz de mudar (transmutar) o que considerava em mim como pior defeito?
    c) Sou mais altruista na minha actividade diária?
    Enfim, estas e outras perguntas podem ser feitas.

    Eduardo Aroso

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  2. Tenho sido um pouco mais incisiva nos últimos textos mas é apenas uma fase pois se calhar estive em silêncio demasiados anos tendo assistido a coisas menos boas. Brevemente, voltarei a um olhar mais despreocupado, mais poético, mais livre. Penso que chamar a atenção para isto ou aquilo não faz mal nenhum de vez em quando. Obrigada por ter compreendido as minhas palavras, Eduardo.

    Cumprimentos da Cynthia

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