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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

(RE)CANTOS DE SINTRA

Hoje, dia em que se lembra o aniversário da morte do nosso poeta/bardo Fernando Pessoa, voador entre mundos, iniciado e iniciador pelas palavras, estreamos a nova fase da lua com as palavras de Alexandre Gabriel, que veio de Sintra, que está em Sintra e faz parte dela. De um dos seus recantos, solta-se então o seu canto:



DA INICIAÇÃO
Ruptura, Despertar e Absoluto
Alexandre Gabriel

A Rémi Boyer

“A Filosofia sem Iniciação não conduz a nada,

 A Iniciação sem Filosofia conduz à estupidez.”

Ibn Arabi


A INICIAÇÃO É RUPTURA

Sem Ruptura não há Iniciação. Quando há Iniciação sem Ruptura, não é Iniciação, é uma concepção mental da mesma.
Ruptura com o nosso ego – que mais não é do que um eu ilusório, um falso eu, no qual procuramos uma cómoda e irrealista sensação de segurança no sempre mutável mundo da manifestação.
O ego é tão frágil quanto a concepção meramente racionalista e mental da Realidade. O ego é um guardião do umbral, nele se projectam todos os nossos piores receios. É verdadeiramente o nosso pior e único inimigo real. É um obstáculo à Iniciação, mas pode também ser um impulsionador da mesma. Para tal, o ego deve ser considerado como aquilo que é, nem mais, nem menos. Ele pode ser um excelente servo, mas quantas vezes é um terrível senhor!...
O ego tem medo de perder algo. E quanto mais tenta prender com as suas garras aquilo que não pode ser preso, tudo lhe foge.
O eu não tem medo de perder o que quer que seja. Em primeiro lugar, porque nada lhe pertence. Em segundo, porque é tudo.
A Iniciação que é conferida ritualmente numa Ordem Iniciática autêntica transmite uma semente àquele que busca. Porém, assim como um terreno deve ser fértil e estar lavrado para abraçar e fazer crescer essa semente, o iniciável deve romper com o passado, romper com as falsas concepções que tem acerca de si próprio, romper com tudo aquilo que não é verdadeiro. Só quando deixar de pensar a Iniciação é que se tornará naquilo que já era mas não sabia, um Iniciado. É preciso ir para além de pensar a Iniciação. É preciso vivê-la, senti-la e pressenti-la. Por melhor que seja a semente, quando esta é plantada num mau solo, ou quando não é regada, ela jamais crescerá. Será uma semente morta, inútil, desperdiçada. Por isso existe o adágio místico: “Muitos são os chamados, pouco são os escolhidos."
Receber a semente é o mais fácil. É no preparar o solo e no cuidar da semente que está a chave da realização da Grande Obra. E aí percebemos que a semente nunca nos foi verdadeiramente “dada”, ela já existia em nós, mas estava adormecida.
Na Iniciação, a transmissão é 1% do trabalho, a inspiração é também 1%. Os outros 98% são transpiração. Iniciação sem transpiração é teatro. Iniciação sem transpiração é não-vivência da mesma.
Por isso, bem mais importante do que o grau recebido numa iniciação, é trabalharmos no nosso laboratório-oratório interior para atingir o estado correspondente a esse mesmo grau. Porque, para quem o recebe ou transmite, o grau não implica ter atingido esse estado. O estado não se transmite, conquista-se.

A INICIAÇÃO É O DESPERTAR

Enquanto não despertarmos somos homens da torrente, seres adormecidos, inconscientes da sua verdadeira condição.
Aquele que Desperta nasce para uma nova realidade. Ele não nega o “Jogo do Mundo”, conhecido entre os hindus como Lyla, o mundo da manifestação visível e da aparência, de natureza fenoménica, fruto do mundo real e invisível, do incriado, de natureza numénica. 
Não negando o Jogo do Mundo, aquele que Desperta aceita-o, porque sabe que faz parte da Máquina do Mundo. Mas aceita-o sem o tomar pela realidade. Aceita-o como ilusão. Ele está no mundo, mas não é do mundo, porém, vive no mundo. A sua pátria verdadeira é a das estrelas.
Aquele que Desperta reconhece o mundo que vive como um sonho. 
Aquele que Desperta reconhece o mundo que sonha como uma realidade.
Aquele que Desperta, acorda e, assim, tudo lhe é revelado. Pois tudo está em si e Ele é tudo.
Ele é Aquele que É.

A INICIAÇÃO É O ABSOLUTO

A Iniciação está para além de quaisquer palavras. O segredo da sua eficácia apenas diz respeito àquele que a vive. Querer defini-la é negá-la.
As técnicas iniciáticas e as ordens iniciáticas devem conduzir o iniciado à Via. Quando não o fazem, não são iniciáticas, são estruturas temporais. A iniciação não é confinável ao mundo da temporalidade. O seu reino é outro, inefável e intocável. A iniciação está para além do tempo e das concepções dos homens.
Sem o Silêncio não se chega ao Mistério.
Sem o Mistério não se chega à Iniciação.
Sem a Iniciação não se chega ao Absoluto.
O Absoluto é o abandono ao ser em si. É o não-fazer e o não-ser: a Não-Via.
A Não-Via não exclui as vias, antes integra-as, potencializando-as como facetas particulares da expressão do Real. 
As nossas concepções da Realidade não passam disso mesmo, concepções. E, sendo nossas, nunca poderiam deixar de ser limitadas. Para abraçarmos o Absoluto temos de nos entregar, abandonando-nos ao Vazio. Aí nós somos aquilo que somos e não aquilo que pensamos que somos.
Vazio de mim, eu sou uma taça-receptáculo para o Divino, um Graal cujas facetas são a expressão do múltiplo que é uno.
Três Avisos :
Se eu recusar a iniciação, serei um eterno adormecido, presa da temível fatalidade.
Se, iniciado, eu recusar a ruptura, serei uma infeliz vítima do meu ego.
Se, tendo vivido a ruptura, a negar, mergulharei na noite negra da alma e no limbo dos mundos.
Três Luzes :
A Iniciação leva à Ruptura.
A Ruptura provoca o Despertar.
O Despertar conduz ao Absoluto.

6 comentários:

  1. Saúdo o regresso deste blogue e felicito o Alexandre Gabriel pelo belíssimo texto agora publicado (que ele, há uns meses, me dera o privilégio de ler)...

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  2. Belo texto a encabeçar o regresso ao activo desta página.

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  3. Caro Alexandre,

    Gostaria, antes de mais, que tenha presente que as minhas palavras seguintes em nada pretendem apontar qualquer erro e muito menos alguma subtil tentativa de “corrigir” uma palavra sequer do seu claro, objectivo e – diria - gnósico ou gnóstico texto que, para quem o lê, não deixa nada obscuro no sentido que certamente lhe deu origem. Deixe-me até dizer-lhe que é difícil encontrar um texto, seja de quem for, que nos parágrafos que utilizou diga tanto em tão pouco. Perante a inundação de tanta tolice sobre a iniciação, que anda pela nossa sociedade, só posso dar-lhe os meus sinceros parabéns. Mais: fez um louvável trabalho didáctico, se assim posso chamar-lhe. O que eu queria dizer – que só se justifica porque, como é evidente, um artigo não pode dizer tudo sobre uma dada matéria – é o seguinte: as iniciações não correspondem ponto por ponto (algumas bem diversas) nas diferentes escolas iniciáticas. Só um exemplo: em dada escola, uma das “conquistas” do candidato é que pode deixar o seu corpo à vontade, ficando em estado de vigília, portanto consciente, podendo a ele regressar logo que queira. Parece que não é assim noutras escolas, porque, é bom de ver, no seio destas há, para além do comum a todas, objectivos específicos que se prendem com a oblação, ou o melhor, o que essa escola pode oferecer à humanidade PELA PREPARAÇÃO ESPECÍFICA dos seus iniciados, sendo que esse trabalho na Grande Obra é sempre discreto e do proveito possível para a humanidade.
    Há ainda um outro aspecto que não costuma ser trazido ao assunto da iniciação: esse passo importante não é definitivo, isto é, passamos a barreira ou o umbral e pronto ficamos noutro “universo”. “O que está em cima é como o que está em baixo”, ou seja, um curso ou uma carreira profissional, é suposto que tenham vários anos, etapas, antes de uma culminação. A palavra iniciação é isso mesmo inicia-se… Uma coisa parece ser certa: qualquer iniciado atingiu domínio sobre si (pois só assim pode ajudar o mundo) e por isso utilizará o conhecimento com amor e altruísmo.
    Mais vez os meus parabéns. Que belo e verdadeiro texto para o nosso blogue iniciar mais um ciclo!

    Eduardo Aroso

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  4. Nada é feito sem a Graça de Deus (velha máxima alquímica).

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  5. Parabéns pelo texto, Alexandre. É bom ver, em Portugal, uma nova geração de coisas a serem pensadas. Apesar do respeito e agradecimento que devemos ter pelos pensadores portugueses que nos antecederam, é tempo de aproveitarmos a liberdade e a informação para reflectirmos sobre outros sentidos. Todos nós, através dos nossos computadores, temos a possibilidade de viver numa espécie de biblioteca da antiga Alexandria devidamente actualizada. Devemos usar esse conhecimento para lançar naus em direcção a locais quase desconhecidos. Quase desconhecidos por sempre nos ter sido dito que eram pouco recomendáveis.

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  6. Agradeço a todos pelas vossas palavras gentis e desejo Boa Ventura a este renascimento do blogue. "Extravagar" é preciso...

    AG

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